Impacta

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Fabiano dos Santos Araújo

  Revival do conto "Impacta" publicado originalmente na Quarta edição da Mostra Ecos, por Fabiano dos Santos Araújo   


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Ela estava em seu quarto com seus sufocantes dois e meio por três ou três por três, mas o que isso importava? O que importava era a luta de ocupação de território entre os quatro membros da família contra os móveis velhos, que mesmo amarrados com arame e insistindo em se desintegrar, eram adversários formidáveis na luta pelo precioso espaço.

Os quatro dormiam ali, mas para que o frágil armistício entre humanos e móveis se mantivesse só poderia haver duas camas para todos. Evidente, os pais dividiam a de casal. Para os filhos havia o revezamento semanal entre o velho colchão laranja, solado e molenga da cama e o outro idêntico sobre piso sujo com partículas que fizeram parte dos móveis.

Assim passavam suas noites e, por maior que fosse o desconforto, o trabalho e as obrigações da casa ou da escola os anestesiava. Acostumaram-se a fechar os olhos e só abri-los no início do outro dia.

A menina era a diferente entre eles, sempre com sono leve e inquieto, acordava muitas vezes durante a noite. Na madrugada, a garota acordou com ruídos de arrasto e guinchos bravos no topo das paredes, eles estavam livres desde que o gato foi envenenado por um dos amáveis vizinhos, eles voltaram e se multiplicaram, mas desta vez, estavam sozinhos e não tinham o que temer. Outro bichano enjeitado não ia demorar a aparecer faminto na porta de sua casa e no dia que estivesse pronto eles veriam...

Agora que a acordaram, Carol teria que lutar para adormecer outra vez. Acordada, via os vários pontinhos de luz do poste que entravam pelas frestas do telhado, as mesmas por onde serenava nos dias de chuva com vento.

Via o peito dos pais subir e descer, cada dia era mais cansativo e pesado que o anterior. Não via o irmão deitado no chão, nem mesmo o ouvia. A escola, o estágio e o pré-vestibular disputavam para arrancar a cada dia um pedaço maior dele, ainda assim, era uma pedra que passava a noite entre as camas. Semana que vem a cama seria dele, ela achava que mudando a pedra de lugar, teria alguma melhora para ele.

Ouvindo a respiração pesada do pai, adormeceu.

Acordou pela segunda vez no meio de um tipo de festa com música eletrônica, os pontos de luz piscavam e dançavam pelo quarto, batidas muito fortes vinham de longe e explodiam em seus ouvidos, com os trovões chegou o vento mexendo os galhos da árvore ao lado do poste.

A chuva chegava e se fosse com vento, a garota teria que buscar a colcha nos pés da cama, fizesse frio ou não, ia serenar no quarto e não era hora para gastos com remédios. Nunca há uma hora certa para se adoecer, mas com certeza, aquela não era uma boa hora. O som dos galhos da árvore da calçada a ajudou a adormecer outra vez.

Não era um sono de verdade, era mais um torpor entre estar acordada e adormecida.

Carol virou-se para a parede, encolheu-se e tremeu. Seu braço tateou ao redor buscando pela colcha, a arrastou para o corpo e cobriu-se, o que sobrou de tecido, abraçou com força, enquanto tentava ficar o mais encolhida que podia para se aquecer.

Não caiu uma gota do céu, o vento parou e os trovões se calaram. Mas o guincho e os passinhos arrastados dos malditos roedores no topo das paredes voltou com mais força. Devia ser ele. O maior rato de todos vinha de longe, bem devagar, com o seu gritinho agudo.

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