Fugindo de tudo - Crônica

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Ele estava perdido entre o atordoamento do seu sono e de sua desmotivação, na última carteira de sua sala de aula. Em sua frente, dois amigos faziam uma atividade em dupla – essa comandada por sua professora de Inglês. Ele, fadado e entediado, navegava em um sono incontrolável. As palavras diferidas sobre o quadro branco mesclavam-se com as pálpebras que fechavam e abriam, repetitivamente, gerando uma sensação de dissociação. O fatídico sono atormentava, mais uma vez, as transfigurações daquele jovem. 

O reboliço médio da sala, ensaiado por vozes que discutiam entre si, era completamente descartado pela madorna que invadia o seu corpo. Às vezes ele tentava deitar sobre os dois antebraços postos sobre a mesa, outras vezes apenas tentava colocar o seu rosto sobre a mesa em si, mas ele simplesmente não conseguia adormecer. Então, repetitivamente, erguia o tronco e voltava a lutar contra o sono. Lutando em uma resignante batalha intensa que, geralmente, não o definia como vencedor.  

O Segundo Ano do ensino médio cobrava alguns ensinamentos básicos, que seriam contrapostos no próximo ano. O sono, coincidentemente, também cobrava o descanso prévio do corpo daquele jovem. Uma necessidade acadêmica contra uma necessidade fisiológica, essas interpostas em um aspecto decisivo e desesperador. Nada mais comum em uma rotina estudantil. Apenas mais uma famigerada e repetitiva conturbação mental imposta em um sistema robótico e escravizante. 

Ele questionava mentalmente o porquê de precisar escolher tantas e tantas coisas, enquanto sentia o efeito retardatário de sua sonolência. O motivo de precisar, aos dezesseis anos, escolher o próprio curso, a futura profissão que se estenderia para o resto de sua vida e o motivo de estudar diversos tipos de matérias que não se enquadravam em suas vocações. Mesmo tendo em mente, logicamente, que todas aquelas escolhas eram realmente necessárias.

Após incontáveis tentativas resistentes contra o sono incontrolável, o jovem rapaz adormeceu rapidamente. Amodorrou-se questionando o que seria, finalmente, em futuro não tão distante. Perguntou-se sistematicamente se conseguiria reter um orgulho pragmático e social para a sua família e para os seus amigos. Então, jamais acalentado por tais perguntas efêmeras, dormitou fugindo dos dilemas corrosivos que diariamente eram arremessados nos ombros de sua consciência composta por dúvidas. Ele, simplesmente, deliberou-se ao ato de adormecer, fugindo fisiologicamente de toda essa confusão. Fugindo de toda essa conturbação. Fugindo de tudo. 

Fugaz (Crônicas e Contos)Onde histórias criam vida. Descubra agora