Dois

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  Com o pequeno-almoço finalmente tomado, Harry ouviu o resto das divagações fantasiadas do seu amigo Zayn e partiu, em seguida, para o trabalho.

  Uma macro empresa é o que se pode chamar da em que o Harry trabalhava, na construção de parques e jardins zoológicos, assim como em escolas e jardins-de-infância nos países mais pobres, em África e nos confins perdidos da Rússia.

  Harry deslocava-se numa preguiça matinal, embora em passos largos, abanando o chapéu-de-chuva por cima de si com as suas balançantes passadas, e de vez em quando subia-o um pouco para ver o que se encontrava à sua frente.

  Desatento nos seus pensamentos, no vai-e-vem das suas tristezas e alegrias, quando a mãe morreu e ele ficou independente, ou quando a sua casa foi destruída pelo pior incêndio que ele já presenceara, não notou uma figura grande e preta à sua frente, pela chuva que caía em cada vez maiores porções e porque o chapéu de chuva lhe tapava a visão. Antes de sequer se aperceber do que estava a acontecer, colidiu num silencioso e abafado *bump* contra alguém, que ele não conseguia reconhecer porque estava com uma gabardine preta, até ao pescoço, tapado com o capucho a protegê-lo da chuva, logo ele percebeu, olhando melhor, o quanto podia. 

 - Que merda, por acaso não vês por onde andas? - A tal pessoa gritou entre a chuva, que estranhamente não abafava a sua voz aguda, que Harry logo reconheceu ser a de uma mulher amasculinada. Demasiado? Estranho.

 - Não vejo mesmo - Harry respondeu educadamente, envergonhado e intimidado pela senhora que falara tão rudemente para com ele - Peço imensa desculpa.

  Sem mais nenhumas palavras, Harry viu a senhora rapidamente ir embora e a desaparecer da sua visão, e sentiu-se angustiado. Estranhamente, pela má educação da senhora para com ele, ele não se ralou. Só mais tarde. Naquele momento, estava mais zangado com o enorme chapéu-de-chuva que lhe impedia a maior parte da visão e o clima tão horrível de Londres.

  Aquela terça-feira não foi nada mais nem nada menos do que todos os outros dias por que ele passara na rotina pendular de casa-café-trabalho-casa. Mas com uma singular exceção. A senhora não lhe saía da cabeça. Por mais estranho que pareça, ele passou esse dia e o seguinte a pensar nos traços femininos dela. De que cor seriam os seus olhos? Era o aspecto a que, inconscientemente, Harry dava mais valor. Porque com os olhos, ninguém pode esconder nada. Os olhos são o reflexo da alma. Peganhento, as coisas românticas, ele assim pensou.

  Harry suspirou, pousando o livro que lia, deitado na cama, dois dias depois do incidente que ele não conseguia esquecer, e que o perseguia para o trabalho; e, secretamente, ele desejava voltar a encontrar a senhora, perguntar-lhe como é que se chamava, e oferecer-lhe, vagamente, um chá quente de lima no café mais próximo, ou até mesmo convidá-la para tomá-lo em sua casa. Eles poderiam falar da peculiar situação em que se tinham conhecido. Poderiam falar dos filhos dela. Uow. Teria ela filhos? Quantos anos teria mesmo?

  Harry riu brevemente para si próprio. E quê, convidá-la também para jantar em sua casa? Harry pensou, baixando a cabeça de tão estúpido que estava a ser. Quando menos queria, mais divagava e divagava.

  Com um revirar de olhos, motivou-se a esquecer de vez o assunto apesar de ter consciência disso não ser tão fácil de fazer como de o dizer, mentalmente, a si próprio.

  Ao esticar-se para agarrar no seu portátil, estalou ruidosamente os ossos na zona das costas e dos ombros, e realmente deu conta do seu monótono dia-a-dia, no qual não arranjava tempo para correr durante uma boa hora pela manhã, como custumava fazer quando era mais novo, mas desta vez não seria uma desculpa para espreitar as vizinhas que faziam jardinagem, nos seus curtos calções.

Somewhere In Your Eyes ( Larry & Ziall )Where stories live. Discover now