Imaginou que devia estar alucinando, afinal, qual a possibilidade de um espantalho mover a cabeça? Agora em pé, não notava qualquer movimento por parte daquela coisa, se não tivesse alucinado, poderia ter sido o vento.

"Mas que vento?" Pensou assustado.

Concluiu que fora apenas uma peça que sua mente lhe pregou. Encarou o espantalho por mais alguns segundos, mas a cabeça abaixada, rente ao pescoço não permitia que ele visse muito, pois estava totalmente coberto pela aba do chapéu de palha.

A atenção de Charles foi da cabeça da criatura para o seu corpo, as vestes largas de saco de estopa lhe cobriam quase tudo, exceto os pés. Não passou despercebido o quanto aqueles pés pareciam ser humanos, não estivesse a uma altura considerável, poderia crer que aqueles pontos pretos sobre eles era sangue seco. Pensou em chamar pelo espantalho, quem sabe aquela coisa respondesse.

— Merda! — reclamou se sentindo um idiota. — Não tô regulando bem da cabeça! — concluiu decidido a se afastar. Charles sentia que precisava ir embora, comer alguma coisa e então descansar, outro dia continuaria procurando a moça desaparecida, embora já tivesse perdido as esperanças de encontrá-la nas terras do seu patrão.

Apanhou a camisa suja no chão e as tralhas que usara durante a noite, deu alguns passos, mas algo o impeliu a voltar. Charles estava tentado a mexer naquele espantalho, estava realmente intrigado, embora quisesse acreditar que não era nada, alguma coisa lhe dizia que precisava averiguar.

Ele procurou por um galho qualquer, não encontrou, procurou por uma pedra, o que encontrou aos montes.

— Desculpe se doer! — disse em tom brincalhão e arremessou com força a pedra na barriga do espantalho, o resultado o fez cair para traz ao tropeçar na própria perna tentando se afastar.

Charles vira a coisa estrebuchar.

Agora tinha certeza, aquela coisa estava viva, tinha uma pessoa pendurada bem à sua frente, não tinha dúvidas que fora deixada ali para morrer — ou não estaria ali. Charles começava a ficar amedrontado, embora não soubesse ao certo o que fazer, só pensava que precisava pedir ajuda e que precisava tirar seja lá quem fosse dali.

Olhou ao redor da estaca até encontrar as pontas das amarras e assim abaixar o espantalho, não foi difícil, quem colocou aquela pessoa ali nem se deu ao trabalho de dar nós, certamente para facilitar o próprio trabalho quando fosse removê-lo.

A cada gesto, Charles sentia um desconforto em seu corpo, uma vontade descontrolada de sair correndo daquele local, mas seu coração generoso não lhe permitia pensar a respeito, se saísse em busca de socorro, quando retornasse, aquela pessoa poderia estar morta ou quem sabe ter sido retirada dali. O medo aumentou ao pensar na possibilidade do lugar estar sendo vigiado, nunca tivera medo de homem nenhum, mas quem fez aquilo já o apavorava mesmo sem chamá-lo para uma briga.

— Isso deve ser coisa de gente que fez pacto com o diabo! — falou desamarrando as cordas.

Tão logo desamarrou, se preparou para pegar aquele corpo ainda no ar, impedindo que caísse e viesse a se machucar. Poucos minutos depois, o espantalho estava em seus braços. Um corpo leve e com um odor muito forte, mas era humano, tinha certeza disso. Assim que o desvencilhou das amarras, colocou o espantalho no chão.

A curiosidade o fez remover o chapéu de palha do espantalho, tocando com asco aquele rosto machucado. Charles paralisou ao reconhecer Antonella, o terror aumentou ao notar que no lugar dos seus olhos haviam duas bolas infecciosas, já vira muitos bichos com os olhos perfurados, os daquela moça com certeza estavam.

Para Charles, tal monstruosidade era difícil de ser digerida sendo com qualquer outro indivíduo que ali se encontrasse, mas ela? Era pior, muito pior. De tudo que pensou que podia ter acontecido a ela, aquilo nunca passou por sua cabeça. Pobre Antonella, quem fora capaz de a colocar ali e de a deixar em tais condições? Charles nunca vira nada do tipo, nunca na vida imaginou que alguém tivesse coragem de fazer uma crueldade dessas contra uma inocente.

— Antonella? — chamou angustiado, buscando uma reação qualquer da parte dela enquanto a pegava no colo. — Preciso tirar você daqui! — disse para si mesmo. Ele queria tanto encontrar a moça, levar paz ao coração da mãe dela, aplacar o desespero e a tristeza de seus irmãos, mas agora, tudo o que tinha para oferecer para aquela família era aquilo, uma carcaça moribunda do que fora Antonella.

Charles pensou em matá-la e assim acabar com o seu sofrimento, e consequentemente não aumentar ainda mais o dos seus familiares, mas logo mudou de ideia. Era bom demais, incapaz de ferir outro ser humano. Se fosse para a pobre morrer, não seria por nenhum ato seu, não seria por suas mãos.

Assim, a única opção era pedir ajuda, então lhe restava decidir em qual direção seguir: para a casa do fazendeiro Craig, que certamente providenciaria o socorro necessário para a moça, ou levá-la até o seu vilarejo, mas era bem mais distante e Antonella poderia não resistir.

— Você vai ficar bem! — disse baixinho. — O senhor Craig vai te ajudar, é nossa única chance! — declarou esperançoso.

Como que compelida a reagir ao ouvir aquelas palavras, Antonella reuniu a força que lhe restara e apertou-lhe o braço mais próximo, um aperto frouxo, mas qualquer coisa a mais que isso era impossível para ela fazer naquele momento. Charles percebeu sua tentativa de se comunicar, teve dúvidas se ela quisera demonstrar confiança nas palavras dele, um agradecimento talvez, ou se uma recusa do que Charles havia se proposto a fazer. Ao cogitar sobre a possibilidade de recusa, um arrepio passou por sua espinha e um pensamento horrível veio à sua mente.

— Antonella, quem fez isso com você? — perguntou segurando-a nos braços, trazendo-a para mais perto do seu rosto. Charles viu seus lábios se moverem com dificuldade, então aproximou mais o seu ouvido da boca dela e ouviu perplexo as únicas palavras que ela emitiu.

— Senhor Craig! — sussurrou.

Charles entrou em choque, relutando para acreditar no que acabara de ouvir. Como ele podia pensar que aquilo era verdade? Craig era um aleijado que nem sequer podia caminhar por suas terras, não passava de um coitado. Charles não sabia quanto tempo Antonella estivera ali, mas se passaram muitos dias desde o seu sumiço, certamente estava delirando.

Depois de mais alguns minutos, Charles não tinha mais o que perguntar, não tinha mais o que pensar, com o espantalho no colo, seguiu na direção que escolhera, pois finalmente tomara uma decisão.

Quando os Pássaros Pousam e Outros Contos PsicopáticosOnde histórias criam vida. Descubra agora