Posto de Arroz

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Hégio estava terminando de recolher moedas e outras coisas de valor dos dois defuntos e ver aquilo deixava Yaren incomodado. Achava indigno retirar pertences dos mortos. Tiveram uma breve discussão e Hégio deu um ponto final dizendo: — Eles não vão mais usar isto, e nem isto!

Yaren deu com os ombros e tomou a estrada de volta a Kamanesh.

— Ei, aonde vai, padreco?

Yaren suspirou, não adiantava explicar a Hégio que não era padre, e nem mesmo mais monge.

— De volta à cidade.

— Não, melhor não voltarmos ainda. Vem comigo. Primeiro temos que arranjar ajuda para transportar esses corpos e queimar, não queremos vê-los retornando, certo?

Hégio apontou a pequena vila visível cerca de duas milhas à frente. Posto de Arroz era um lugar novo, cresceu em torno de um antigo moinho arruinado que agora servia para armazenar sacas de arroz até que pudessem ser transportadas para Kamanesh. Quase não tinha habitantes, pois ninguém queria viver fora de lugares fortificados e protegidos. Mas como havia o mau tempo e outros fatores, uma pequena casa forte foi construída. Em todo reino de Kamanesh era muito comum a existência de tais albergues. Dentro de uma muralha de madeira e pedras, de apenas três metros de altura, havia um celeiro, uma casa de dois pavimentos e um pequeno pátio. Havia outras construções nas proximidades, mas eram usadas apenas durante o dia pelos agricultores que trabalhavam na região.

Hégio encomendou a um amigo carroceiro a incumbência de levar os dois corpos para Kamanesh para serem queimados. Isso já era rotina, por causa da convivência com mortos-vivos e outras coisas piores. Quando o sol começou a ficar baixo, Yaren observou os agricultores se aglomerarem para retornar a Kamanesh. Estariam em segurança em menos de uma hora, quanto e eles, Hégio insistira para passarem a noite fora. Explicou que poderia haver mais membros do grupo de mercenários e mesmo que não houvesse, o tal Mollon poderia contratar mais alguém para ajudá-lo a finalizar o serviço.

— Ninguém escolhe dormir fora de Kamanesh. — Hégio disse.

— Pelo visto, ninguém por aqui deu notícia da Capitã. — retrucou Yaren.

— Se ela tivesse passado por aqui, certamente saberíamos. Vamos entrar.

A estalagem era modesta e estava vazia. Moravam ali apenas um casal de velhos e um menino de uns doze anos. Hégio os conhecia bem.

— Que tal um guizado para o jantar, Dona Orzina?

A velha enrugada, baixinha e um pouco corcunda sorriu mostrando a falta de dentes.

— Posso preparar. Titi apanhou alguns duritins.

Aqueles eram roedores do campo e até se pareciam um pouco com ratos, mas tinham orelhas maiores e peludas. Titi era o menino que morava com os velhos. Era um rapaz vivo e bem disposto. Ele surgiu do nada e saltou sobre o guia.

— Tio Hégio, pode dar uma olhada no meu novo arco?

— Claro meu rapaz! Uau, você cresceu. Sua vó continua te dando bolos de fermento?

O menino foi correr para buscar o arco e colocar a corda nele.

— Vamos, Tio Hégio, enquanto ainda há luz.

O velho saiu do celeiro carrancudo, não cumprimentou ninguém e foi fechar o portão e checar as posições de defesa. Eles sempre dispunham de óleo e fogo para atirar sobre alguma criatura que resolvesse escalar os muros durante a noite.

Depois disso, a velha ainda tirou um ramo grosso de acônito seco e passou-o no portão, depois nas paredes recitando algum tipo de reza baixa que Yaren não podia compreender. Ele sentiu os pelos do braço se arrepiarem e imaginou que a velha pudesse ter os poderes reais de uma bruxa.

Herdeiros de KamaneshOnde as histórias ganham vida. Descobre agora