Capítulo 4 - Quem é esse cara?

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Caio me aguardava impaciente na portaria do Ensino Fundamental, quando fui buscá-lo. Também, coitadinho, a aula dele terminava antes da minha.

Estávamos morando no 12° andar de um prédio muito elegante, de condomínio bem estruturado, no bairro da Pituba. Como eu não tinha idade para dirigir, minha mãe e meu padrasto alugaram um apartamento próximo do nosso colégio, e de tudo que eles achavam que poderia facilitar nossa vida: padaria, shoppings, mercados, consultórios e uma praça. Praça Ana Lúcia Magalhães. Eu não disse nada a eles, mas adorava mesmo a praça. Rolava sempre uns encontros culturais nos fins de semana e eu podia fugir um pouco, levando meu fiel escudeiro, Caio.

Minha mãe ajudava meu padrasto nos negócios e, para minha sorte, passavam pouco tempo em casa. Enquanto ainda não tínhamos uma empregada, ela me delegou algumas responsabilidades. Uma delas era cuidar de Caio e levá-lo à natação.

Tínhamos pouco tempo até o horário da aula dele, então, quando chegamos em casa, cozinhei bife, com batatas fritas e arroz, que ele adorava, e comemos na sala mesmo, assistindo a TV.

Ah, se Alexandre soubesse quem era a minha companhia para o almoço.

- Caio, você já terminou seu almoço?

- Aham - ele me respondeu sem muito interesse.

- Caio, na hora!

- Aham...

- Caio...

- Espera, irmã. Só mais um pouquinho que está terminando o episódio.

- Vamos logo, garoto. Desliga essa TV! - eu gritei, chamando atenção dele.

- Ai, que brava! Você muito chata hoje!

- Ah, desculpa, irmão. - Eu nunca o tratava assim. - Meu dia foi uma bosta!

- Bosta? - Ele gargalhou. - Bosta, bosta, bosta...

- Pshhh Para, não repete isso. E não conta pra mãe que eu falei. É segredo! - respondi com um sorriso.

- bom, prometo. Mas bosta é engraçado...

- Eu sei que é - suspirei -, mas meu dia não foi nada engraçado.

- O que foi que aconteceu? - Ele se aproximou de mim e me fez cafuné.

- Meus novos colegas são...

- Uns bostas? - ele falou sério, o que me fez rir.

- Uns chatos - eu consertei.

- Não fica triste. Se eles não gostam de você, o problema é deles. Eles que são uns... bobalhões!

Aquele era o familiar discurso de consolo da minha mãe, que só surtiu efeito em mim até os meus 10 anos. Ela não entendia que não tinha jeito, tem situações que nada do que se diga, nos consola. Caio era a única razão para eu não ter voltado para os Estados Unidos quando minha vó me chamou. Eu não queria que ele sofresse bullying, como eu sofri, e minha mãe e meu padrasto não paravam em um só lugar. Não conseguiam entender como era frustrante e cansativo, ainda mais para um menino dócil, inteligente e educado, como ele. Eu o amei desde o dia em que nasceu, há 6 anos, e sempre foi meu único amigo. Seus cachinhos eram loiros, como os meus, mas cortado baixo e com os olhos azuis que herdou de Júlio, fazia parecer com o anjinho da Turma da Mônica. Não tinha como não se encantar com essa criança e querer protegê-lo de qualquer pessoa.

Depois que finalmente consegui arrastá-lo, saímos do apartamento dividindo os fones de ouvido. Na minha playlist começou a tocar a música Happy, de Pharrell, trilha sonora do filme Meu Malvado Favorito. Arregalamos nossos olhos e começamos a fazer a nossa dança maluca. Gritávamos "Banana!" e ríamos pelo nariz, imitando os Minions. Assistimos a esse filme milhares de vezes e rimos até chorar. Aliás, era muito divertido brincar com crianças, porque ninguém liga se você está sendo ridículo, e assim eu podia soltar a criança que tinha dentro de mim. Caio fingia tocar uma guitarra e eu mexia o pescoço como uma galinha. Eu olhava para os lados e não vinha ninguém do apartamento vizinho. Mas fiquei pensando se tinha alguém olhando pelo olho mágico, rindo da gente. Quando a porta do elevador se abriu, eu ainda estava dançando e gritei: "Banana!". E, no fundo do elevador, encostado na parede, estava Jasper, visivelmente surpreso em me ver. Gelei! Eu sabia que o tinha visto antes, claro! Ele era o vizinho que nunca cumprimentava as pessoas. Jasper vestia uma bermuda jeans confortável, camiseta branca e havaianas. Alto e forte o suficiente para carregar uma desajeitada como eu. Para meu alívio, ele não trazia consigo aquela bugiganga, porque era bem possível que eu tombasse novamente. Rapidamente, trocou o ar de surpreso por uma postura séria, mas mesmo assim, parecia estar com ar mais leve.

Onde eu quero ficar (Degustação)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora