Caro Todd,
Eu escrevo as cartas de noite ou no horário de almoço. Aqui é basicamente uma prisão, mas a comida é boa. Ainda mais nas terças! Terça-feira nós comemos carne de porco com molho de churrasco. Quando digo nós, quero dizer eu e meus amigos imaginários, já que nunca tem mais gente para comer aqui.
E eu também não sei se carne de porco ao molho de churrasco é totalmente saudável, mas você não deve me julgar quando no resto da semana eu como pão e frango. Sabe o que estou afim de comer? Uma pizza. Daquelas bem recheadas e com borda chamuscada. Eu abriria a caixa e comeria uns sete pedaços. Talvez guardasse o oitavo para depois e se você me pedisse eu lhe daria. Que saudade das pizzas.
A minha babá - da qual não lembro o nome - sempre pedia pizza nas noites de quinta pelo simples fato dela querer sair com seu namorado Brad. O nome do namorado eu lembro porque é a coisa mais comum do mundo - e também por que eu ando vendo esses filmes adolescentes que acontecem nas escolas.
Lembro-me de uma quinta na qual você veio dormir na minha casa e cada um comeu uma pizza inteira de tanta fome! Acho que não havíamos comido o dia inteiro, porquê roubaram nosso almoço.
Foi nessa noite que você me contou sobre sua tia drogada, que entrava em pane quando estava sem heroína e maltratava você e a Amandinha.
Sinceramente? Eu sempre quis matar sua tia e cozinhá-la para seus pais num domingo nublado. Mas isso é proibido e os direitos civis me caçariam pelo resto da minha vida, então eu apenas te consolava.
Fora nessa noite também que eu previ algo horrível. Algo me dizia que você choraria muito futuramente. Os detalhes são meio vagos, mas era algo como seu corpo debruçado na escrivaninha, da qual estava repleta de cartas em envelopes vermelhos que sangravam. Como envelopes podiam sangrar? Não sei, às vezes minha mente prega peças e eu apenas sonho ao invés de prever algo.
Mas, de qualquer forma, naquela quinta a sua tia havia se drogado um pouco mais que o normal e na sexta ela já não estava no plano térreo.
Você chorou Todd. Você chorou por alguém que te fazia mal e quando eu lhe perguntei o motivo você apenas respondeu:
- Ela não pode ter uma vida menos miserável que essa.
E isso cravou em mim também. Eu não quero morrer após uma vida miserável, não quero que você morra após uma vida miserável. Eu quero ver o mundo, e de preferência ter você no banco do carona.
No dia do enterro da sua tia, você dormiu novamente em minha casa e nós jogamos videogames para esquecer do mundo lá fora.
Lembro-me de seu sorriso quando o macaco de Donkey Kong matou o primeiro chefão e lembro de como ficou fascinado com o jogo. É o meu favorito também.
De madrugada, nós vimos desenhos de adultos, dos quais ríamos de piadas ácidas. Fora a primeira vez que eu havia feito aquilo e me senti um garoto sujo.
Espero que possamos ver mais desenhos adultos, agora sem precisar ser escondido.
***
Todd sorriu no final da quarta carta e desejou que Dirk estivesse vivendo bem, na medida do possível.
Deveria terminar todos aqueles envelopes antes das 20:00 se quisesse alguma explicação mais aprofundada daquilo. Olhou o relógio: 19:00.
Daria tempo.
***
Bom, mas como nem todas as lembranças que possuo são boas, eu me lembro de uma das nossas brigas.
Claramente nós podíamos discutir por horas à fio, mas brigar de verdade era algo muito raro entre nós dois. Por incrível que pareça, quem havia começado tudo era você.
Eu tenho o dom de atrair ódio sobre minha pessoa, e geralmente sou eu que começo todos os conflitos que já participei em minha vida, mas nossa primeira briga foi algo tão inesperado que eu fiquei mais chocado do que bravo.
Fazia mais ou menos um mês que sua tia havia falecido, e nós estávamos basicamente namorando. Eu só não dizia por ai discaradamente e com todas as palavras porque você não havia me pedido em namoro da forma correta.
Enfim, uma garota havia entrado na sala e ela lia o mesmo livro que eu ( O Hobbit) e nós ficávamos conversando a aula inteira.
Mas eu não sabia que esse fato lhe encomodava e que você tinha ciúmes dela. Fui descobrir da forma mais engraçada possível.
Estávamos em minha casa, deitados e vendo um seriado dos anos 60 sobre viagem no tempo - Eu esqueci o nome, malditos remédios - e você chegou com a dúvida mais engraçada do mundo:
- Dirk eu pareço uma garota?
- Ahn? Como assim, Todd? - Lembro que na época eu fiquei muito confuso com toda essa história.
- É que eu tenho medo de não parecer uma garota. - Você disse, meio irritado. - Por que ai você não teria de ficar com gracinha pra cima da Wellen!
- Espera, você está realmente falando sério?
E naquele dia, eu fiquei ouvindo suas reclamações por mais tempo do que um ser humano é capaz. Eu ouvi seu ciúme e suas dúvidas. Seus medos e anseios. No final a única coisa que eu pude fazer foi sorrir.
- Todd. - Falei. - Wellen lê o Hobbit e pode ser engraçada às vezes... Calma, me deixe falar. - Disse rapidamente depois de ver sua boca se abrindo em forma de protesto. - Mas ela nunca poderia me beijar da forma que você o faz. Ela não poderia me ouvir, abraçar e rir comigo de coisas banais. Ela não poderia nem sequer me aturar realmente por um dia, porque isso é trabalho pra uma pessoa só. Você. O cara mais desgraçado do universo que tem o desprazer de me conhecer. Fique tranquilo, eu não te trocaria nem pelo Benedict Cumberbatch.
A única resposta que recebi fora um choro aliviado e um beijo necessitado. Eu não reclamei. Também tive crise de ciúmes, mas essa me marcou pelo fato de ser a primeira. Me marcou porque depois disso nós demos um grande passo na nossa relação.
Queria poder não me esquecer do seu sorriso aliviado e de seus carinhos no final do dia.
Queria poder não esquecer de você.
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Post Scriptum | #Brotzly
FanfictionApós ser impedido de continuar vivendo como um adolescente normal, Dirk Gently escreve cartas para se lembrar do que aconteceu antes de toda a confusão que é a Black Wing.
