O meu sonho de me tornar jogador, tinha se tornado mais um motivo para ver as pessoas felizes. Ver sorrisos em outros rostos. Eu não era feliz comigo mesmo.

Eu não sei o que é felicidade. Ter orgulho de algo que eu faço. Eu me sentia um empecilho na dos meus pais, um problema para Hanna. Atrasei a vida de alguém. Meu melhor amigo tinha outras pessoas com ele. Eu não. Por que eu não merecia. Eu não acredito que alguém pode gostar de mim. Nem se quer ficar perto.

Eu treino sorrisos. Todos os dias.

Treino risadas, movimentos, coisas que mostrem que eu tenho prazer em estar onde estou. E eu só me sinto sufocado. Me sinto preso. Amarrado pelas pernas e braços. Uma marionete para suprir as expectativas de todos ao meu redor.

Eu sou nulo.

Um rosto feliz. O terno perfeito. Quem sempre chega na hora certa nos treinos. O filho prodígio. O brincalhão. O artilheiro do time. O melhor do mundo.

Eu não era nada disso. Eu era só mais alguém que não consegue olhar para o próprio espelho por que não reconhece o que vê.

Me vi sair do chão, e parar no lugar onde eu me parava todos os dias. Todas as vezes que eu coloca a minha mão naquela gaveta, eu já sentia o começo do alivio chegar. Era uma caixinha pequena, com quatro ou cinco abotoaduras. Todas elas tinham formas diferentes, algumas mais pontudas, outras redondas. A minha primeira tinha formato de flecha.

Eu a segurei forte e segui.

A minha mão tremia, meus olhos marejavam. A minha dor aumentava. Eu precisava que aquilo diminuísse.

No banheiro, tirei a minha roupa, e olhei para a minha virilha. Um pouco abaixo dela, as cicatrizes marcavam a minha pele de forma intensa. Algumas mais brancas, outras ainda vermelhas.

Pressionei o pino da abotoadura contra o meu último corte, fazendo com que ele a rasgasse profundamente. Fechei os meus olhos e a dor parecia se esvair do meu corpo. O líquido vermelho, viscoso, escorria pela minha perna enquanto as lágrimas escorriam do meu rosto e eu queria gritar.

Gritar para que alguém me visse. Alguém olhasse pra mim. Que alguém pudesse ao menos me dar um abraço, e dizer que vale a pena. Que eu valho a pena.

Isso é algo que eu deixei de acreditar em muito tempo.

Meu corpo encostou na parede. Eu me apoiei por alguns momentos, sentindo o líquido tocar meu pé.

E cortei a outra perna.

Minha respiração ficou mais leve, o corte começou a doer mais do que o peso que eu tinha dentro de mim. Minhas mãos soltaram as abotoaduras.

E eu escorei, até cair no chão.

Fiquei lá, deitado, no chão gelado do banheiro, até ouvir a voz da minha mãe bater na porta, e me apressar para a ficar pronto para ir para a festa de comemoração do time.

Puxei forças e gritei a ela que já estava quase terminando. Levantei meu corpo do chão, sentindo minhas pernas arderem. Passei a mão pelo meu rosto e entrei no banho.

A água quente batia nos cortes, e misturada com o sabonete, fazia a minha pele arder.

Sai do banho, peguei as abotoaduras na minha mão, passando reto pelo espelho e fui até o guarda-roupa, tirando de lá meu terno feito especialmente para mim, depois de uma campanha publicitária para a Dolce & Gabbana.

O vesti, sequei meus cabelos e respirei fundo.

No closet, um espelho que ia do teto ao chão me encarava, e eu levantei meus olhos, coloquei as abotoaduras que segurava e vesti o meu melhor sorriso.

GOALS (l.s.)Onde histórias criam vida. Descubra agora