Alex Almeida

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Atendendo ao convite do jornalista e escritor Arisson Tavares, participei do programa Escritor Solidário, criado com o objetivo de promover a literatura e a solidariedade. As gravações aconteceram na região administrativa de Ceilândia, no Lar São José, instituição que atende crianças e adolescentes sob medida protetiva.

A escolha desta instituição não foi por acaso: o meu livro, "Depois das Cinzas", é um romance ambientado durante o período da Ditadura Militar contando a trajetória de Davi, um rapaz órfão que ingressou no mundo adulto tentando fugir de um sistema opressor e buscando pessoas com as quais ele pudesse criar referências sadias.

Cheguei ao Lar São José um pouco antes da entrevista e, enquanto eu espreitava o ambiente em que eu estava, percebi que também fui analisado por dezenas de pares de olhos pueris e juvenis que, desconfiadamente, a distância, me analisavam naquele local. Uns disfarçando que estavam brincando, outros olhando escondidos pelas quinas das paredes, um outro atrás de algumas árvores... mas nenhum deles se aproximou. Quando tentei me aproximar de um deles, ele correu desesperadamente, como se estivesse com medo, aflito. Por fim, achei que não era uma boa ideia tentar forçar nenhum contato. Muitos dos que ali estão tem motivos suficientes para desconfiar dos conhecidos, quem dirá dos desconhecidos.

Depois de contemplar por meia hora a barreira invisível entre eu e eles, a equipe de gravação chegou ao mesmo tempo que Ana Lúcia Antunes, coordenadora do abrigo. Senti que as crianças só começaram a se aproximar depois que ela começou a nos recepcionar de forma muito acolhedora, nos explicando o funcionamento do lar. É como se eles tivessem recebido um sinal que dissesse: "- Não há perigo!". Curiosos observavam câmera e entrevista. Na primeira pausa, um deles finalmente se aproximou indagando: "- Você escreveu esse livro sozinho?". E antes que eu respondesse, os demais começaram a fazer outras perguntas, num turbilhão curioso e desorganizado, mas cheio de interesse. Ao longe, os adolescentes nos olhavam fingindo desinteresse, mas alguns, permaneciam à espreita sem se aproximar, sem conseguir quebrar a desconfiança... Um dos pequenos puxou pela mão um dos mais velhos, falando em alta voz "Vem conhece-lo! Ele escreveu um livro!"

Como não lembrar do personagem Davi, buscando suas referências? Como não sair de lá tocado sabendo que meu personagem foi inspirado em guerreiros como aqueles que estavam ali? Sair daquele ambiente sabendo que as letras que transformei em palavras, em frases, parágrafos, capítulos... em um livro, traziam um pouco daqueles que ali estavam. Fez do meu personagem mais humano a meus olhos.

No contato com aqueles pequenos, entendi plenamente o sentido do que eu realmente fazia ali, estava sendo um "escritor solidário". Ainda que por uma manhã, ainda que somente por algumas horas, ainda que somente em contato com poucos moradores daquele lar... De uma coisa eu sei, o desejo de voltar não ficará só no desejo.

Escritor SolidárioOnde as histórias ganham vida. Descobre agora