A frase mal dita

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Dizem que quando as palavras saem da nossa boca, impossível é recolocá-las para dentro novamente. Assim, se elas saíram com o intuito de elogiar, ou simplesmente afirmar, ou ainda questionar, tome-se por satisfeito, mas, se ao contrário disto, ou seja, as palavras proferidas tinham a determinação de magoar, eis que cumprirão com êxito o seu objetivo...

Por isso é que se diz também que "Se nada de importante tem a falar, então o melhor a fazer é calar!" Principalmente se está irritado com a vida, com o "alvo" da sua metralhadora de palavras ou com o que quer que seja. Não tem como, depois de falar, se arrepender.

Feita esta introdução, eis que retornamos para o dia em que o encarregado geral entrou aos berros na sala do meu chefe, exigindo a minha demissão. Pouco tempo depois ele foi embora e o meu encarregado na oficina saiu e anunciou-me que eu poderia passar no RH para assinar a minha demissão.

A palavra "xeque-mate" ainda tamborilava em minha mente quando ele complementou a informação:

*Vá buscar o seu céu, Joe, já que essa empresa foi o seu inferno...

Foi um microssegundo o tempo suficiente para que eu entendesse o que ele queria dizer e pudesse contestar.

*O senhor não entendeu direito, não foi isso que eu quis dizer...

*Espero que encontre o céu fora daqui, Joe! - disse ele por fim e voltou para sua sala.

Não sei se já comentei nessa odisseia real que escrevo sobre o meu gosto pela escrita. Em geral, quem muito lê também tem o costume de rabiscar seus trabalhos desde cedo e comigo não foi diferente.

Na hora de fazer as redações no primário e ginásio, eu já buscava criar obras de arte, e muitas vezes dava uma viajada imensa na escrita, algo típico de um ser sonhador tal eu sou.

Depois, comecei a escrever versões de músicas românticas, baseadas nas lindas melodias internacionais dos anos 80, pois queria fazer a minha própria poesia cantada.

E como era de se esperar, com o tempo vieram as crônicas e outros escritos diversos.

Nessa época em que eu iniciei na empresa como auxiliar de mecânico, para montar um almoxarifado de ferramentas, nos meus momentos de folga eu rabiscava num caderno um livro, baseado na minha história real, depois complementada com uma ficção do gênero dramático.

Cheguei a encerrar esse livro, que iniciei como forma de um desabafo pessoal de uma situação que havia vivido, e com o tempo seu enredo me pareceu tão bobo que ele perdeu o sentido, mas cumpriu sua razão de ser, que foi me trazer de volta o equilíbrio pessoal necessário para interagir normalmente com as demais pessoas.

E na oficina, sempre que eu podia, isso mesmo quando eu já era torneiro mecânico, eu escrevia algum pequeno conto ou poesia e colocava num quadro de avisos. O pessoal lia e comentava, era uma maneira que eu tinha de compartilhar meus bons pensamentos com os companheiros de serviço que eu tinha ali.

Quando meu encarregado resolveu me privar de seguir meu sonho de ir trabalhar num computador, eu passei uma primeira semana bem chateado e num dia qualquer rabisquei uma frase num papel e deixei no almoxarifado de ferramentas:

"Se essa empresa não pode ser o meu céu, vou fazer de tudo para que ela não venha a ser o meu inferno!"

Na verdade era uma metáfora pessoal que eu não tinha nada que escrever em lugar nenhum, tanto que voltei horas depois no almoxarifado e joguei o papel fora. Só que vocês já perceberam que o meu encarregado acabou lendo a frase que só podia ser do único "filósofo" dado a rabiscos da oficina e acabou formando uma opinião equivocada do seu contexto, opinião esta que guardou por vários e vários meses.

Antes de ir embora da empresa ainda tive a oportunidade de tentar lhe explicar esse equívoco mais uma vez, mas ele não compreendeu, não quis compreender, ou estava magoado demais para querer compreender.

Eu não tinha nada de pessoal contra ele e não queria sair dali deixando uma ferida aberta, mas nada pude fazer. No fim, graças a Deus, se ele teve alguma mágoa um dia de mim, não mais a demonstrou no futuro, quando nos encontrarmos pela cidade. Nesses encontros somente recordamos as passagens boas e amigos daquela época, isso fez muito bem para o meu coração.


Vou além, neste ano, há umas duas semanas, ele veio no meu emprego atual pedir uma cópia de um boletim de ocorrência de acidente de trânsito. Já faz mais de 24 anos que trabalhamos juntos e ele, ao comentar na minha frente, para dois colegas de serviço, disse que eu havia sido um bom torneiro mecânico que ele teve no passado. Disse que eu era muito bom, devido ao meu próprio esforço pessoal, e disse também que eu saí, pois queria trabalhar em outra área. Não falou nada sobre nossa discussão. Achei muito nobre da parte dele.

mas, voltando ao tema deste capítulo, quantas vezes num momento em que deveríamos calar a nossa boca, insistimos em falar mais do que devíamos, movendo-nos pelo impulso, no calor do momento e não pela razão.

E depois que as palavras são ditas, se forem mal ditas, com a intenção de magoar, como disse no início deste capítulo, geralmente cumprem o seu papel e muitas vezes fazem com que os melhores relacionamentos se acabem, como se tudo de bom que aconteceu antes não valesse mais a pena ser lembrado.

Não pensem vocês que eu aprendi a lição nessa época, por muitas e muitas vezes acabei ainda magoando pessoas que eu conhecia e outras que eu amava. Creio que esse seja um dos meus grandes defeitos, eu assumo e me policio sempre, buscando não mais magoar ninguém, mesmo que todos digam que essa pessoa merece, afinal, não somos todos irmãos, filhos do Mesmo Pai?

Então, se não é amor o que tem a oferecer para um irmão, então você não tem mais nada de bom para ofertar e calar provavelmente, ao menos num momento de conflito, é a melhor opção...

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