Capítulo Cinco

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    Naquele dia Bjorn convidou o amigo para o almoço e se arrependeu. Após um show de gargalhadas por parte de Ulrik os dois saíram apressados, deixando ela sozinha mais uma vez. Bjorn voltou mais tarde com uma deliciosa tigela de cozido para ela.

Bem, a culpa fora dele. Quem mandou confiar a comida a ela, ainda mais com visitas? Pois hoje ele a acordou de manhã bem cedo, mostrou uma pilha de roupas e saiu. Malika voltou a dormir e quando levantou-se novamente o sol já estava alto. Juntou toda a roupa e desceu o caminho de pedras da casa em direção ao rio. Esta seria fácil, já havia visto as mulheres da vila lavando roupas algumas vezes.

Chegando ao córrego ela encontrou-se com algumas mulheres. Umas cochichavam, outras se afastavam e ela não se importava. Na primeira chance que tivesse em empreender uma fuga segura o faria. Mas por enquanto apenas fingiria ser uma boa submissa para evitar as chibatadas que vira ontem e que ainda lhe provocavam arrepios.

Abaixou-se de frente ao riacho e pôs-se a lavar as mudas de roupas. Percebeu que era até um trabalho mais divertido do que tentar cozinhar.

Sentiu que alguém a observava, virou sua atenção para a direita. Uma bela ruiva, que aparentava ser um pouco mais velha do que ela lhe sorriu calorosamente. Malika olhou para os lados, achando que a mulher sorria para outra, mas só confirmou que era para ela mesma.

A mulher Levantou-se para se aproximar e ela pode constatar que a mesma estava grávida. A ruiva pegou uma camisa e esfregou, mostrando que a forma de ela estava fazendo era totalmente errada. As duas se entendiam bem, mesmo trocando poucas palavras: a mulher, que Malika descobriu se chamar Ingrid entusiasmou-se a ensinar nomes de coisas que estavam a seu redor, como água, pedra e árvores.

Foi quando Malika sentiu um empurrão forte que a jogou de cabeça dentro do rio. A água estava muito gelada e ela Levantou-se, batendo os dentes. Uma jovem de cabelos amarelados quase brancos, como as areias virgens do deserto a olhava, acompanhada de outras duas mulheres, também de cabelos claros enquanto a grande maioria das presentes ria. A jovem estranha falou algo, arrogante.

Malika já havia visto a mulher uma vez, na manhã em que chegara. Ela estava conversando com Bjorn um pouco antes dele pegá-la no curral e levá-la para casa. Não importava quem ela fosse, não ficaria barato.

Ela saiu de dentro do rio, com as roupas encharcadas e frias e aproximou-se da tal loira, agarrando-o com força pelos cabelos. Quando a outra percebeu o que ocorria as duas já estavam rolando no chão úmido da beirada do rio.

As mulheres e crianças que estavam lavando roupa se aglomeraram em volta das duas, ambas imundas e molhadas. Na confusão o hijab de Malika foi rasgado e pisoteado.

As duas só se desagarraram quando um senhor apareceu, praguejando e as soltou de cima uma da outra. Ele deu um enorme sermão na agressora maluca, que partiu toda imunda e com a cabeça baixa e então dirigiu um olhar fulminante para Malika e se foi. Ela percebeu que havia feito algo muito errado, mas sorriu. A outra havia claramente saído em desvantagem e isso já era um triunfo.

Ingrid se aproximou rindo bastante e pousou a mão em seu ombro, falando algo e fazendo-a se mover. Malika a acompanhou até uma casa na beira do rio bem maior do que a de Bjorn. O espaço grande estava repleto de crianças que corriam de um lado a outro, atarefadas.

A mulher desapareceu dentro da casa por alguns momentos, tempo mais do que suficiente para as crianças olharem e tocarem a nova amiga estrangeira com curiosidade.

Ingrid voltou trazendo consigo um vestido verde pesado e de corte reto, estendendo-o.

Malika empurrou gentilmente o presente, dizendo que não poderia aceitar, mas a mulher insistiu. Ela então tomou o tecido, murmurando um agradecimento encabulado e partiu para casa, agarrada a seu cesto de roupas. Tomaria um bom banho e usaria o presente com vontade, já que sua linda túnica de seda estava arruinada, suja e rasgada. Claro que se prepararia para o pior. Assim que Bjorn chegasse em casa provavelmente tomaria as dores da amiga loira e cairia em cima da estrangeira abusada.

***

    Bjorn subiu o caminho de pedras que dava para sua casa. Ainda tinha a barriga dolorida de tanto rir da notícia que havia recebido assim que ancorou seu barco.

O ferreiro lhe procurou aos berros dizendo que sua escrava castanha havia surrado Vibeke na beira do rio aquela manhã.

Sabendo o quanto Malika desagradava a loira era bem capaz da filha do ferreiro ter começado a briga, e se dado mau.

Abriu a portinhola que dava pro jardim e viu que as roupas balançavam suavemente ao sabor da brisa. Túnicas, calças, metade de um lençol...METADE DE UM LENÇOL? O que ela teria feito com o resto do tecido?

Entrou curioso em casa e se surpreendeu com o aroma convidativo de comida. Teria ela aprendido a cozinhar de um dia para o outro?

Na cozinha encontrava-se a amante favorita de Eamon, o Sagaz cortando alguns legumes ao lado de Malika, que estava usando um vestido verde característico de seu povo. A jovem prestava atenção em tudo o que Ingrid fazia e ocasionalmente soltava uma palavra em tom de questionamento. Além de tentar aprender a cozinhar também se esforçava para aprender a língua.

Mas o que mais chamou a atenção de Bjorn foi que Malika tinha um pedaço do lençol enrolado na cabeça. A garota estava usando o retalho de tecido em alternativa àquele lenço que ela sempre usava e tinha pavor que retirassem.

Mais uma vez ele não aguentou e caiu em gargalhadas, assustando e chamando atenção das duas mulheres.

Ingrid aproximou-se, desconcertada.

- Bjorn, não tinha muito o que fazer em minha casa, então vim ajudar Malika. A coitada não sabia nem mesmo descascar os legumes!

- Não se preocupe Ingrid. Pode ajudá-la a vontade. É que me intrigou o fato dela ter um pedaço de lençol enrolado na cabeça!

- Oh, isso? Ela simplesmente se recusa e andar sem a peça, apesar de ter os cabelos mais lindos que eu já vi. Acho que tem algo a ver com o deus dela. Quando apontei para o lenço perguntando o porquê ela ficou apontando para o céu e repetindo "Alah" sem parar.

- Bem, deixe-a como está. Sei que um dia ela estará pronta para deixar pra trás tudo relacionado àquela antiga terra dela.

Ingrid assentiu.

- Bem, agora que ajudei a adiantar a comida acho que meu trabalho aqui acabou.

- Muito obrigado, Ingrid. Ah, e fico feliz que ela tenha arrumado uma amiga aqui. Ela precisará de alguém para ficar ao lado dela. O verão já está chegando e não me sentiria bem em deixá-la sozinha.

A mulher sorriu.

- Não se preocupe! Me simpatizei com ela no momento em que a vi. Será um prazer ficar com ela durante a estação das raids*.

Dizendo isso a ruiva acenou para a nova amiga e saiu.

 Malika estava de costas para Bjorn, mas podia sentir sua presença. Fechou os olhos, já preparada para o possível castigo que viria, mas o homem apenas riu mais uma vez e encostou-se na bancada, ao lado dela olhando-a divertido.

 Nesses meses em que haviam convivido não era muito comum vê-lo alegre desta forma. Em suas bochechas formaram-se duas covinhas rasas que tornavam o ar do homem quase infantil. Ela resolveu arriscar uma das palavras que havia aprendido hoje.

- Que? - perguntou.

 Ele levantou uma das sobrancelhas e sorriu ainda mais. Malika estava se esforçando para aprender o idioma. Ele se aproximou e tomou a faca da mão dela, dando continuidade ao corte do legume que ela tinha nas mãos. Ele apontou para a comida.

- "Cenoura".

- Cenou...ra... - ela repetiu, com um pouco de dificuldade.

 Em breve eles teriam que se separar por um bom tempo, então ela deveria aprender falar o máximo que pudesse até o fim da primavera para poder se virar sozinha pelo tempo em que ficasse longe.

A Estrangeira (Degustação)Unde poveștirile trăiesc. Descoperă acum