Capítulo 1

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O passado nem sempre pode ser bom de se lembrar, memórias ruins, pesadelos... momentos que se nós deixarmos ir enraizando, vão tomando conta de quem somos.
Mas também vem muitas oportunidades para nos reerguemos. Agora, relembrando tudo, percebo o quão maravilhosa é a vida...

(Anos atrás) Naquele dia acordei com lágrimas nos olhos, sonhei com ele de novo. Mas dessa vez foi pior, no sonho parecia que eu estava lá quando tudo aconteceu, ao lado dele, e foi horrível ver aquilo, quase como teria sido na vida real. Eu sabia que ficar vendo fotos bem nessa data não me faria bem, mas não consegui conter a mim mesma. Me controlar, eu precisava me controlar...
Me olhei no espelho e vi como minha cara estava péssima. Como colocar um sorriso falso nesse rosto hoje? Pensei comigo mesma. O que menos queria era que as pessoas ficassem me questionando se eu estava bem, era mais do que óbvio que não!
Me aprontei para a escola e lá estava minha mãe falando com a empregada. Será que iria me sair bem em disfarçar? Coloquei meu melhor sorriso no rosto e fui comprimenta-la toda contente, ela também me comprimento com alegria, mas em seu olhar tinha um misto de curiosidade e compaixão, ela se lembrou que dia é hoje.
- Bom dia, minha querida! Como você está se sentindo hoje?
- Ah, estou bem como sempre, mas atrasada para a escola.-Disfarcei para não ter que enfrentar um questionário, ela concordou e quando me afastei comendo uma maçã me disse:
- Filha, se você precisar de alguém para conversar, sabe que estou aqui.
Eu concordei e sai ajeitando meu cabelo como se não soubesse bem do que ela estava falando.
Cheguei na escola no horário, meu motorista era rápido quando precisava, entrei e olhei em volta. Muitos me observavam, e a maioria me comprimentava. Eu era bem popular por causa da minha família, sempre apareciam em alguma revista famosa ou na internet por serem bem sucedidos, meu pai como um influente advogado e minha mãe uma bela modelo.
A minha popularidade também veio depois que tive que mudar meus comportamentos, antes era fechada e tímida. Depois comecei a fingir que eu era super meiga, mil sorrisos a todo momento e com todo mundo. Me sintia falsa, mas por alguns momentos era bom pois estava cumprindo a promessa que fiz à Charlie.
Vi o Ronnie e os outros garotos, todos se animaram quando me viram chegar:
- Carolyne! A garota mais atraente dessa escola! Como vai, linda?
- Oi, Ron! Ah, tá bom... A mais atraente? Vocês são é muito exagerados.
- Claro que não! dizemos apenas a verdade, não é galera?- Riram e concordaram com ele me olhando de cima a baixo.
- Uhum, eu sei! Vocês falam "a verdade" para todas que querem paquerar?
- Depende, a paquera está dando certo?
- Nem um pouco!- Sorri e pisquei- Até mais, galera!
Continuei a andar, faltava alguns minutos ainda para começar as aulas, então fui falar com algumas garotas. Encontrei Jennifer e Jizelli, as gêmeas, eram populares por serem loiras dos olhos azuis e idênticas, lá também se encontravam a Eleonor e a Loren.
- Oi, meninas!
- Querida, que bom que você chegou! Estávamos vendo as novidades...
Ou seja, falando mal sobre a vida dos outros! Pensei. Eu não gostava muito de falar com elas nem de ficar fofocando, mas aquilo fazia parte do meu papel de boa moça popular.
- Sério? Quais são as novidades de hoje?- Perguntei fingindo interesse.
- Escuta só! A Jizelli ouviu no corredor a Becky e o Robert tendo a maior briga, pelo jeito a senhorita "nariz empinado" levou um fora daqueles!
- Sério? Nossa, eles eram o casal mais conhecido daqui!
- Pois é, vai ver ele finalmente percebeu que ela não é lá grande coisa.
- Tá bom, gente! Vocês estão falando desse casal desde cedo. Vamos ver se tem algo de bom nas redes sociais?- Cortou a Loren, ela também não era fã de fofoca e tinha vezes que eu achava que ela só endava com as gêmeas para não ficar sozinha.
- Ok, vamos ver!- Jenny pegou o celular da Loren e começou a ver o que tinham postado.
- Esse não, nem esse... Hoje faz dois anos que alguém morreu? Quem será que foi?
Congelei instantaneamente. Como podiam ter achado uma postagem logo sobre isso? eu não estava pronta pra falar sobre a morte dele com naturalidade, não estava nem um pouco.
- Eu conheço todo mundo! Deixe me ver... Ah, foi Charlie McCartney, faleceu em uma tentativa de assalto.- falou Jizelli.
- Nossa, mas quem é esse? Não devia ser grande coisa pra ninguém lembrar dele- Zombou Jenny.
Foi se formando um nó em minha garganta.
- Aff, ele era muito fechado! Não gostava de se juntar com ninguém.- Informou Jizelli.
- Então bem feito! O mundo não precisa de mais gente chata.
- Como você está maldosa hoje, Jenny!- Jizelli riu.
- Você podia ter mais respeito!- Acabei deixando escapar.
- Não vejo o porquê! Ele não está mais vivo para reclamar.- Respondeu ela dando de ombros.
Só dela falar isso já mexeu comigo, fez meu sangue ferver e lágrimas virem aos meus olhos. Abaixei minha cabeça para tentar me acalmar, mas não estava dando certo.
- Bom, talvez devamos falar sobre outra coisa...- Disse Eleonor. Ela é um amor de pessoa e queria tirar aquela atmosfera pesada que tinha ficado, então continuou:
- Vocês viram que entrou um garoto novo?
- Nossa, é mesmo! Nem tinha reparado.- Jizelli falou olhando para um garoto sentado no banco sozinho lendo um livro, eu nem estava com paciência para ver como ele era.
- Olha, Jenny! Como você disse, sempre tem algum fechadão que não quer se enturmar com ninguém.- Falou Jizelli.
- Vamos, gente! Temos que ver se esse daí tem salvação ou se vai ser igual ao tal Charlie.
Eu já não estava aguentando mais, queria sair dali o mais rápido possível, então disse:
- Quem sabe outra hora, acho que vou ir ao banheiro...
- Não linda, vem logo! Vamos dar as boas vindas ao bonitinho ali- E Jenny e Jizelli me saíram puxando, Eleonor e Loren vinham logo atrás.
- Olá, como vai? Seja bem vindo a nossa escola!
- Olá... Obrigado.- Falou ele seco, sem tirar sua atenção do livro.
- Eu me chamo Jennifer, essa é minha irmã Jizelli, e essas são Loren, Eleonor e a Carolyne.
- Me chamo Alexander.- Disse ele levantando o olhar e olhando cada uma de nós, ele pousou seus olhos em mim e ficou assim, me olhando de uma maneira diferente. As garotas perceberam seu interesse repentino em mim e falaram logo:
- E então, Carolyne... Não tem nada legal para falar ao novato?
Olhei para o lado com desdém, não estava querendo conversar com ninguém.
- Vai, Carol! Não me diga que ainda está com essa cara por causa do assunto anterior, o que aconteceu? Você conhecia o garoto?
Fiquei quieta, então Jenny continuou a insistir:
- Olha, se conhecia ou não, já foi! Morreu, acabou. Então por que você não se anima?
- Escuta aqui, Jennifer! Você não tem o menor direito de falar assim do Charlie, eu estou pouco me importando com você, suas idiotices e para esse novato!- falei alto e deixando as lágrimas cairem, olhando para ele que assistia surpreso.
- Vão se ferrar todos vocês! Eu só quero que me deixem em paz!
Sai apressada para o banheiro. Chegando lá me olhei no espelho e chorei, deixando tudo o que estava preso sair. Como ele fazia falta... Me lembrei daquele dia horrível...
Comecei contente, me arrumei, passando o almoço olhei para o clima, que parecia ótimo para sair. Então liguei para a casa dos McCartney e Charlie atendeu:
- Carolyne, que surpresa! Estava pensando em você agora.
- Sério?- Sorri e continuei- Acho que estamos interligados! Eu estava pensando em irmos ao centro, fazer alguma coisa... O que acha?
- Claro, seria ótimo! daqui a pouco nos encontramos em frente a minha casa?
- Combinado!
Charlie morava bem perto de mim, na mesma rua. Éramos amigos desde sempre, já que nossas mães também eram desde jovens, crescemos juntos como melhores amigos. Sempre amei estar com ele, mas depois que completamos 14 anos, esse sentimento se tornou diferente. Não apenas como amigos, eu ficava imaginando se algum dia seríamos mais e sabia que Charlie também pensava assim.
Nos encontramos e fomos com o motorista dele em uma famosa sorveteria, aproveitamos bastante e depois fomos ao parque para andar de bicicleta.
Já estava ficando tarde, nos sentamos cansados e ele falou:
- Foi muito divertido hoje, principalmente quando você quase atropelou aquela mulher!- Ele riu
- Não foi legal! Eu achei que ia me estatelar no chão!- Disse e fiz uma careta.
- O que posso dizer... todos os momentos com você são especiais.
- Sei...- Eu falei corando.
- É sério, Carol! Eu gosto muito de você... sabe disso, não é?
- Sim... eu também gosto muito de você- Fiquei tímida, ele geralmente falava isso como amigo, mas daquela vez estava sendo diferente.
- Eu sei que a gente não toca muito no assunto por você achar que somos muito novos...mas um dia eu gostaria que você fosse minha namorada.- Ele falou me olhando nos olhos, fiquei muito vermelha e comecei a mexer nos dedos.
- O que responderia se eu te pedisse em namoro?- perguntou ele, aparentando estar um pouco nervoso também, talvez com receio da resposta ser negativa. Tomei coragem e respondi:
- Eu diria que sim...- Falei e fixamos nossos olhares um no outro.
Ele abriu um belo sorriso com a minha resposta, parecia tão vivo com aqueles olhos verdes claros e cabelos loiros balançando ao vento, Charlie abaixou um pouco os olhos depois me fitou, foi se aproximando aos poucos, ele ia me beijar...
Então eu recuei o rosto envergonhada e falei:
- Mas não agora! Quer dizer... Eu não estou pronta para isso.
Ele pareceu um pouco chateado, mas falou com um sorriso:
- Tudo bem! A hora certa vai chegar...
Ele sabia que eu nunca tinha beijado na vida. Depois disso, ficamos olhando as nuvens, deitados na grama.
- Carolyne?
- Sim?
- Me promete que vai tentar fazer mais amigos? Quero dizer, tentar se enturmar mais... nem sempre se fechar e deixar a timidez te dominar é bom.
- Mais amigos? Mas eu já tenho você... para mim já é mais que suficiente.
- E se nem sempre eu estiver por perto?
- E por que não estaria? Você sempre esteve!- perguntei me sentando ao seu
lado, estava achando aquela conversa muito estranha.
- Não sei, só me passou isso pela cabeça de repente...
- Pois nada desses pensamentos negativos!
- Mas você promete?
Respirei fundo e respondi:
- Tá bom, seu chato! Eu prometo...
- Ótimo!- sorriu e se levantou.- Já está na hora de voltarmos, não é legal ficarmos para esses lados até tão tarde.
- Espere um pouco, meu motorista ja está chegando, terei que passar em outro lugar com minha mãe.
- Não quer que Carlos te leve?
- Não precisa! Eles avisaram que já estão chegando.
- Tudo bem, então.
Depois de um tempo o motorista e minha mãe chegaram, me despedi de Charlie com um abraço apertado e disse:
- Até depois, Charlie!
Me olhou, parecia um pouco triste, mais do que costumava ficar em despedidas e respondeu:
- Tchau, Carol... se cuida, ok?
- Pode deixar.- eu nunca imaginaria que aquela seria nossa última despedida.
Saímos cada um em seu carro, fui comprar algumas coisas com minha mãe mas logo voltamos, estava cansada e suada. Quando chegamos em casa fui tomar banho, depois, enquanto estava pentiando meu cabelo, pensei em Charlie e senti uma agonia por dentro. Então, resolvi descer.
Lá embaixo vi minha mãe ao telefone, pálida, parecia um papel de tão branca e com os olhos cheios de lágrimas. Assim que me viu, elas caíram sem parar.
Os momentos seguintes passaram como um flash, ouvi as palavras assalto, armado, Charlie, baleado e por último "Ele não resistiu".
Minhas pernas bambearam, senti que ia cair, eu devia estar horrível pois todos olharam para mim e vieram me ajudar.
Muitas lágrimas vieram, não devia ser verdade, só podia ser mentira que a pessoa que estava comigo em todos os momentos simplesmente não estaria mais. O que eu faria? Queria estar com ele, queria acordar e ver que tudo isso era apenas mais um pesadelo... mas não era.
A ficha realmente caiu quando teve o enterro. Depois daquilo eu não tinha vontade de nada, acabei emagrecendo, quase não falava com ninguém. Meus pais até tentaram me passar em uma psicóloga, mas eu me recusava a me abrir com ela, eu não queria tirar Charlie nem a falta que ele fazia de dentro de mim. Percebi que toda a situação estava me fazendo muito mal, então decidi fingir um pouco para ver se as pessoas me deixavam em paz com minha dor, comecei a falar e agir naturalmente de novo, foi algo bem difícil, mas meus pais pensaram que eu estava melhorando. Convenci eles facilmente de que ir na psicóloga não estava me fazendo bem por causa das lembranças, pouco depois tudo já estava voltando a rotina... Menos pelo vazio que estava no meu coração, esse espaço parecia que nunca iria ser preenchido.
Me lembrei, numa manhã, da promessa que tinha feito à ele. A situação na escola não estava agradável, só vinham falar comigo para perguntar se eu estava bem, mesmo já sabendo da resposta ao olhar no meu rosto. Então pensei comigo, eu poderia fingir como fiz em casa... me tornar uma Carolyne totalmente diferente, iriam me deixar em paz e ainda estaria cumprindo minha promessa. Por mais que no fundo eu não estivesse sendo sincera, seria para o meu bem.

O meu melhor amigoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora