"39"

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Abri os olhos num pulo, nem notei que estava pegando no sono até acordar algum tempo depois. Daniel ainda dormia em meu colo, os machucados ainda estavam expostos mas já não pareciam incomodá-lo tanto.Suspirei aliviada.

- Ele ainda está machucado? - Perguntou uma garota, que ao que tudo indicava, havia surgido de um dos cantos escuros da sala.

- Quem é você? - perguntei, e apertei de leve os braços ao redor de Daniel.

- Alice. - ela disse se aproximando ainda mais.

- o que você quer?

- ver como ele está.

- por quê?

- porque antes de você aparecer eu estava tentando ajudá-lo. - Alice respondeu, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.

Quando ela se aproximou, ficando agora na luz, pude ver suas feições. O cabelo era claro, não totalmente loiro, puxado para o lado do mel. Liso até a cintura, e estava jogado para o lado de forma natural.

- Você não é um demônio. - falei depois do que pareceu uma eternidade.

-é, tem razão, não sou. - ela disse me fitando com os olhos verdes, me surpreendi ao ver o quanto eram redondos e o quanto esse pequeno detalhe a deixava fofa - Você o conhece?

- Sim.

- E o que está esperando? Eles voltarem para terminar o que tentaram fazer com ele na primeira vez?

- Não sei o que fazer. - confessei - Não consigo arrastá-lo.

- Mas você é um demônio, pode tirá-lo daqui.

- eu sei... mas meus amigos... se eu for agora com Daniel, muitos deles ficarão para trás.

- Eles são... Anjos? - Alice perguntou seriamente.

- Sim.

- Você está ajudando Anjos a sair do inferno?

- Viemos buscar Daniel...

- Mas você é um demônio, não devia fazer isso.

- Eu não sou totalmente um demônio...

- Não é? - Alice perguntou se aproximando ainda mais - Então o que você é?

Suspirei, Alice não sabia, e não poderia saber... não era seguro, não ali.

- Não sou um demônio ruim. - falei, e não era totalmente mentira.

- Você pode me tirar daqui com seus amigos também?

- O quê?

- Pode me tirar daqui? - ela repetiu, parecia desesperada - Eu os ajudo, com o que eu puder... mas me tirem daqui quando acabar.

- Sim, não se preocupe.

Notei que ela sorria aliviada, pensei em dizer que talvez alguns Anjos ficariam para trás, mas não era o certo a fazer... Ela tinha esperanças de sair, e enquanto ela tivesse isso, teria tudo.

Pedi que ela seguisse pelo corredor, e o plano deu mais certo que o esperado. Menos de vinte minutos depois ela estava de volta com o grupo. Mike correu até onde eu estava.

- Não imagina o tamanho da minha preocupação! - Ele disse colocando a mão em meu rosto - você está bem? machucaram você?

- Não, mas machucaram Daniel, precisamos sair logo daqui. - falei.

Notei que John estava com o braço em volta de Alice de forma protetora, outro Anjo que ele conhecia... John conhecia todos os Anjos?

- Ok, vamos.

Mike deu a mão para Felipe e em seguida todos fizemos o mesmo. Mike e eu seguramos as mãos de Daniel, que ainda dormia.

Fiz tudo o que Mike pedia, coloquei uma porta e atrás dela imaginei o galpão infernal, mas quando tentei fazer com que a porta abrisse para que pudéssemos atravessar, notei algo estranho. A porta estava trancada.

- O que foi isso? - perguntei a Mike.

- Tente outra vez. - Ele respondeu seriamente, mas notei algo estranho em sua voz, medo talvez.

Fiz o que ele mandava, mas novamente não consegui abrir a porta.

- Algo errado filha?

Abri os olhos ao som da voz estridente de Mary, estávamos cercados... Centenas de demônios ocuparam a sala, a grande maioria permaneceu no corredor, impedindo nossa passagem.

Abaixei os olhos para Daniel, o grupo havia formado um circulo ao redor de nós dois... Eles nunca venceriam o exército de demônios, seria ali o nosso fim. Mas apesar de tudo, vi que Daniel ainda estava desacordado, em meus braços, e por um momento fui boa o suficiente para ficar feliz somente porque ele não me veria morrer.

- Então vieram salvar o namoradinho da Analu? - Mary sorriu - que gracinha.

- Só queremos ir para casa. - John disse - e por favor... venha conosco.

- O quê?

- venha para casa comigo. - Ele repetiu - vamos voltar a ser uma família, como fomos por quase um mês quando Analu nasceu... Eu não me esqueci Mary, nunca me esqueci de você... mas a minha Mary, e não essa que você se tornou.

Eu estava boquiaberta, perplexa demais para dizer qualquer coisa. Era um truque de John, tinha que ser.

- Nada que disser salvará vocês agora. - Mary respondeu.

- Eu sei que não. - John fitou o chão - e é por isso que eu preciso dizer... mesmo que eu precise morrer para isso, eu nunca deixei de te amar.

E então eu tive certeza, John estava sendo sincero... e me doeu saber disso. Aquela não era mais a garota por quem ele se apaixonou, e isso jamais mudaria. Ele a amaria para sempre, mas jamais ficariam juntos outra vez.

- Basta.- Mary respondeu depois de um tempo.

- Eu sei que ela está ai, em algum lugar, minha Mary está ai dentro, e ela ainda se lembra... ela ainda é capaz de amar.

Pensei que Mary gritaria mandando John se calar, mas não foi o que aconteceu, embora sua expressão no momento indicasse isso. Ela respirou fundo e andou lentamente até ele, John arrumou a postura quando ela se aproximou. Estavam todos em silêncio, até os demônios pareciam interessados em aber o que aconteceria.

Os dois estavam tão próximos que um mero movimento de um deles faria com que suas bocas se tocassem.

- Você tem razão, John. - Mary disse - ela ainda está aqui.

Alguns segundos de silêncio se passaram.

- Mas... - ela continuou - Eu nunca amei ninguém.

Tudo aconteceu muito rápido, John sequer teve tempo de se mover. Ninguém notara Mary apanhando uma faca, quando notamos, já era tarde demais.

John caiu de costas, a lâmina enfiada em seu coração. O mesmo coração que amou a causadora de sua morte até o fim.

Anjos na escuridãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora