"26"

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O pior de ser sempre a pessoa desorientada e confusa não é o que as pessoas pensam ou dizem. Não é ficar perplexa quando as outras pessoas já sabiam da história, não é a distante, mas de algum modo sempre perceptível cara de assustada. Não é nem o fato de quase todo mundo achar que você é assim por que não tem inteligência o bastante para ser diferente disso. O pior é o fato de que, quando acontece alguma coisa realmente improvável, não há como escapar do estado de choque, ou do medo avassalador que te invade.

Nicole desapareceu como o de costume, e me deixou agachada em posição fetal no fim do corredor. Com medo de mais para me mover, ou fazer qualquer outra coisa que não fosse chorar.

Eu esperava que de alguma forma Mariana fosse aparecer e me tirar dali, mas o tempo foi passando e percebi que, imperdoavelmente, eu estava sozinha. Não ousei mover um músculo, mal respirava...

Pode ter sido horas ou minutos, só sei que pareceu uma eternidade. Eu nunca tinha me sentido tão sozinha na vida, nunca tinha sentido tanto medo. Esse tempo todo eu havia pensado que Nicole havia levado Dominic, mas... se fosse mesmo verdade, Dominic estaria morto?

E pior, nunca, por um momento sequer acreditei que Daniel me deixara por livre e espontânea vontade. Nicole o havia levado também? Daniel estaria... morto?

Chorei até pegar no sono, ali, deitada no chão duro do corredor, sem coragem para me mover, e com medo de ter perdido Daniel para sempre.

Eu estava num lugar escuro, meus cabelos voando com o vento forte, e pode ouvir a voz familiar me chamando.

- Garotinha! - a voz gritava.

- pai! - gritei de volta.

- Garotinha, onde está você?

- pai, eu estou aqui! vem me buscar papai, me tire daqui! estou com medo...

Olhei para minhas mãos, estavam pequenas e rosadas, eu tinha voltado a ser criança. Estava sonhando, por mais estranho que parecesse, eu tinha total consciência disso. Eu estava sonhando.

Papai me abraçou com tanta intensidade que algo dentro de mim se desfez, embora eu me sentisse completa novamente.

- Garotinha... - ele disse sorrindo - achei você!

De repente eu estava assistindo a sena em terceira pessoa, parecia ser uma espécie de lembrança, uma linda lembrança. Agora papai me colocava na cama, eu era tão pequena, e ele parecia maravilhado. Ele beijou minha testa levemente como sempre fazia, e começou a cantar. Cantava uma melodia suave, me acamando, a pequena criança deitada na cama já com os olhinhos pesados de sono. Eu nunca tinha ouvido papai cantar.

- Ah Analu... - ele disse acariciando meu pequeno rosto - se você ao menos olhasse pelo ângulo certo!

Então acordei, não estava mais no corredor como deveria. A decoração do quarto em que eu estava me era familiar.

Me sentei na enorme cama, nada mais parecia me surpreender... Pelo menos era o que eu pensava até Leinad entrar no quarto e se sentar ao meu lado.

- acordou... - ele sorriu - está se sentindo bem?

- onde eu estou? - perguntei ainda meio zonza.

- não reconhece? está no meu quarto...

Olhei em volta, de fato, era o quarto de Leinad.

- ah... - disse enquanto bocejava preguiçosamente - mas... por que estou aqui?

- a pergunta correta é " por que estava dormindo no corredor da casa de Mariana?" - Leinad disse imitando meu tom de voz.

- Eu estava... é... onde está Mariana? ela está bem?

- Eu não a vi... sinto muito.

Assenti.

- por que entrou na casa dela então?

- eu precisava te dizer uma coisa, e... bem... bati várias vezes e ninguém atendeu, e a porta estava aberta... entrei, e lá estava você, deitada no chão - Leinad segurou minha mão delicadamente - você quase me matou de susto Analu.

- O que precisava me dizer? -perguntei.

- te digo outra hora... o que aconteceu lá afinal?

- Podemos não falar sobre isso?

- eu pensei que você estivesse... que tivesse acontecido algo grave com você anjo... precisa me dizer o que aconteceu. - ele tocou meu queixo com o polegar - confie em mim.

- Leinad você... você falou igualzinho ao...

- ao...?

- deixa pra lá. - completei.

- não anjo... por favor, me diga... se você dizer, tudo vai ser tão mais fácil...

- Leinad, - sorri - eu preciso achar Mariana.

- posso te ajudar?

- sinto muito Leinad.. mas há algumas coisas que... são inexplicáveis, coisas que você não acreditaria nem que sua unica opção fosse acreditar...

Ele deu uma leve gargalhada.

- tipo o que? o fato de você ser uma mestiça não é segredo para ninguém Analu.

E de repente eu o estava encarando boquiaberta, ele sabia? Leinad era... era um de nós? Leinad não era humano?

- não se preocupe, sou um dos mocinhos dessa vez... - ele se levantou - eu prometo.

- dessa vez? - perguntei.

- já estivemos juntos Analu... vai se lembrar um dia...

- mas...

- nada de mas. - ele sorriu - vamos! temos que encontrar Mariana.

* * *

- Por onde começamos? - perguntei assim que entramos no carro.

- eu começaria pela casa dela... muito provavelmente ela voltaria para lá para te buscar.

Assenti, sentindo um calafrio percorrer meu corpo. Eu havia perdido Dominic, havia perdido papai e havia perdido Daniel... mas eu não aguentaria perder Mariana.

A casa dela estava vazia e fria, me joguei no sofá onde estivera sentada mais cedo.

- Estou começando a ficar preocupada Leinad...

- Se acalme, -ele suspirou - onde Mariana iria se precisasse de ajuda?

Quando eu não sabia o que fazer, a primeira coisa que passava pela minha cabeça era ligar para John, talvez com Mariana não fosse diferente. John era como um pai para ela, e se ela ainda estivesse entre nós, eu tinha certeza que ela estaria na casa dele.

- John! - falei.

- o que?

-John! vamos para a casa de John...

Quando entramos no carro Leinad me encarou firmemente.

- não vai mesmo me dizer o que está havendo?

- eu não quero falar sobre isso, não me sinto bem, não por enquanto.

- ok... mas prometa que vai dizer mais tarde...

- eu prometo.

Chegamos na casa de John vinte minutos depois, meu coração acelerou quando toquei a campainha, eu tinha um medo avassalador de que ela não estivesse lá. Ela tinha que estar lá.

- Analu... - os olhos de John estavam vermelhos, ele estava chorando - que bom que veio!

- o que aconteceu? - perguntei.

Ele deu um passo para trás, o suficiente para eu ver Dominic e Mariana abraçados no sofá. Não há palavras para expressar o quanto fiquei aliviada e feliz, Mariana estava ali, sã e salva e junto com ela estava Dominic... o irritante Dominic.


Anjos na escuridãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora