Capítulo I - Joanna

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Amarrei os meus cabelos num coque alto, pousando os meus pés sobre o azulejo frio

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Amarrei os meus cabelos num coque alto, pousando os meus pés sobre o azulejo frio.
"Hart, Joanna Hart" , pensei ao esfregar os olhos em puro cansaço. Admito que era estranho, estar ali, ser finalmente parte daquela família depois de tanto tempo.
Desci as escadas um pouco apressada, um pouco nervosa. Não gostava de pessoas, ponto. Não gostava de atenção, de sorrisos falsos ou pensamentos infundados. Não sei... Só não gostava.

*

- Bom dia Senhora Hart. - coçei a nuca, evitando qualquer tipo de contacto ocular.
- Joanna querida, já estás a pé?

Acho que isso é um bocado óbvio.

- Sim, não tinha muito sono.
- A Jordan deve estar a dormir ainda, mas não te preocupes, ela vem já ter contigo - a mulher de meia idade sorriu, com o seu característico tom de ternura a acompanhá-la - Já tomaste os comprimidos?
- Sim, ainda há pouco... Não precisa de se preocupar, eu não me esqueço.

- Desculpa se sou tão controladora. - a mulher sorriu e passou as mãos pelo avental enquanto as panquecas se deixavam repousar por cima do fogão.
- Não, não faz mal.

Faz.

- Mãe, Jo. - a Jordan entrou de rompante, pegando no prato com as panquecas enquanto se movia.
A Jordan era bonita... Tinha os cabelos longos e ruivos, entrançados e por cima dos ombros, e o seu sorriso era contagiante, assemelhando-se ao da sua mãe.
Eram assustadoras as suas parecenças. O modo de andar, os gestos de carinho (ou até de severidade), as delicadas sardas acima do nariz, e a tristeza e a solidão, tão perfeitamente notáveis em ambos os seus olhos mesmo que elas não se apercebessem.

 O modo de andar, os gestos de carinho (ou até de  severidade), as delicadas sardas acima  do nariz, e a tristeza e a solidão, tão perfeitamente notáveis em ambos os seus olhos mesmo que elas não se apercebessem

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- Bom dia. - mãe e filha replicaram uma à outra em uníssono, interrompendo-me na minha onda de pensamentos .

Presumo que não o seja...

*

- Então, e aqui... - a Jordan parou por uns momentos, cumprimentando alguns dos seus amigos de volta, que suspeitava por decerto me olharem com desdém - Sim, aqui é o teu cacifo. Se não o conseguires abrir dá-lhe uma pancada. Agora tenho de ir, até logo Jo.
-Até... - ela escapuliu-se no corredor antes que eu pudesse terminar a frase.
Blackwood... A fama fazia-lhe justiça. As paredes eram altas e excessivamente decoradas, as janelas finas e possuidoras de uma altura considerável. Alunos de uniforme passavam entre os corredores como ovelhas num rebanho, ou até mesmo fantoches num espetáculo.
Nunca fui muito adepta do snobismo. Mas acho que aqui teria simplesmente que o aguentar...
Movi o meu corpo por entre a multidão de almas que rodeava os corredores, nem sequer me preocupando em olhar para as suas faces, afastando-me assim do seu caráter mórbido.

Sala... 142... 143... Ah, está aqui!

Entrei na sala, podendo sentir o seu cheiro a mofo, cobrindo a minha cara de atenções indesejadas enquanto o fazia. Procurei um lugar por entre as últimas carteiras, as mais solitárias, adentrando assim no "país" perfeito dos renegados, dos emos, dos "wallflowers" introvertidos e, pelo que me parecia : eu, a novata afastada de qualquer categoria social, nem muito bonita nem muito feia, nem muito inteligente ou muito burra, a antítese de uma rapariga no ensino secundário.
A insignificante Joanna...

*

Concentrei-me nos ecos naturais vindos do exterior, à medida que a aula passava com monotonia... Nem notaram a minha presença, tal como eu o esperei. A simpatia da família Hart era o essencial nisto tudo. Bem, agora era a minha família, acho eu...
Levantei-me apressadamente após me aperceber do toque da campainha, afundando-me assim uma outra vez no oceano de corpos que persistia em ocupar os corredores vastos que estruturavam toda a Blackwell numa espiral de desorganização.
Senti um leve empurrão por parte de um aluno despistado, e antes que pudesse retornar à minha posição original, dei por mim mesma a ser conjugada com um corpo desconhecido, que chocou contra o meu peso frágil numa reação violenta.
-Vê por onde andas. - uma voz masculina pareceu propagar-se a partir da figura misteriosa.
-Desculpa? - olhei para cima, posicionando os meus óculos na sua posição correta e original.

Woah-ah-ah...

Um rapaz de olhos azuis e cabelos ondulados ergueu-se no meio dos corredores, exibindo uma expressão desconfortante enquanto esperava impacientemente por um pedido de desculpas.

Nope. Não vai acontecer.

Alguma coisa interessante? - o rapaz parou por breves momentos, olhando-me com um certo escárnio, partindo para longe de seguida, deixando-me imóvel enquanto me empurrava com o ombro.
Olhei-o de relance mais uma vez, observando a mensagem escrita na sua camisola a letras grandes e pretas: "f*dam-se", e fiquei calada, hipnotizada pelas palavras de rebeldia escritas na sua sweater amarela...

dedicada a yoongiwoo 😜😜😜

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