War never changes

230 33 7
                                    

Os ombros suportam o mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram. 
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança. 
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

A vida apenas, sem mistificação

Ops! Esta imagem não segue as nossas directrizes de conteúdo. Para continuares a publicar, por favor, remova-a ou carrega uma imagem diferente.

A guerra. A guerra nunca muda. E foi assim que começou.
Bem vindo a Enrir, capital da sociedade atual. Perfeita. Harmônica. Utópica. Isso é o que eles querem que você pense.

No ano de 2067 a guerra eclodiu mais uma vez em nosso planeta. Sua causa foi a escassez de água e petróleo, os bens mais preciosos em termos de necessidade entre nações. Mas a guerra, ela nunca muda, e mais uma vez não houveram de fato vencedores, porém em uma escala maior somente houve a fome, a doença, a miséria, a dor, o sofrimento, a perda, a morte. Nações inteiras desimadas e bem mais da metade da população mundial resumida a cadaveres baleados, queimados vivos por bombas nucleares, ou mortos por outras razões na tentativa de fugir da realidade brutal. Mas não havia fuga.

 Mas não havia fuga

Ops! Esta imagem não segue as nossas directrizes de conteúdo. Para continuares a publicar, por favor, remova-a ou carrega uma imagem diferente.

Os ricos. Bom, esses não tinham com o que esquentar suas cabeças, não é? Falo dos realmente ricos. Falo dos donos das multinacionais mais poderosas, e mesmo assim nem todos puderam pagar pelos abrigos impenetráveis e luxuosos localizados no subsolo, nas áreas mais remotas do mundo.

Como os outros sobreviveram? Eu sinceramente nunca entendi essa parte da história. Milagres? Talvez, mas deixei de acreditar neles a muito tempo. Eles diziam que sobrevivemos porque somos como baratas. Nos escondemos, fugimos, nos esgueiramos, sofremos, perdemos, mas alguns, aqueles mais fortes ou os que eram tão ruins, mas tão ruins, tão miseráveis e insignificantes que até a morte se recusava a lhes socorrer, esses... Eles sobreviveram. Eles sempre sobrevivem.
Por mais miserável que seja a vida nós sempre damos um jeito de continuar ali, nas margens da lei, vivendo do resto, mas vivendo.

Hoje o mundo é formado por uma só nação, mas aqui o povo é dividido

Ops! Esta imagem não segue as nossas directrizes de conteúdo. Para continuares a publicar, por favor, remova-a ou carrega uma imagem diferente.


Hoje o mundo é formado por uma só nação, mas aqui o povo é dividido. São cargos, classes, mas no fim tudo se resume a quem começou com tudo isso, os criadores dos abrigos subterrâneos, que se esconderam, que brigaram pelo maldito petróleo e pela água que não se preocuparam em poupar enquanto ainda era farta. Eles mandam em Enrir, e enquanto gastam sua fortuna de forma fútil no que mais se assemelha com uma metrópole — Com lojas, cafeteiras, parks — usam suas drogas e agem como se nós não fôssemos reais, nós continuamos ali. Nos esgueirando em becos, nas favelas escondidas em pequenos terrenos na parte mais afastada da cidade utópica deles, ou mesmo no deserto que se tornou o resto do mundo fora dos muros altos de Enrir.

Espere, eu disse que eles fingem que não existimos? Deixe-me reformular, ok? Eles tentam fazer que com nosso povo não exista. Os pobres. Os miseráveis. Nos drogam com suas pílulas da felicidade. Nos obrigam a trabalhar como escravos para eles em seus negócios, suas lojas, suas ruas, para pagar os impostos que devemos a eles apenas por existir. Nos eliminam sem dó nem piedade quando julgam que nossas famílias estão crescendo "de forma desordenada". Como se fossemos uma praga. Ratos.

Eles tentam nos destruir mas não podem. Porque somos como baratas. Nos escondemos, fugimos, nos esgueiramos, sofremos, perdemos... Mas não somos destruidos tão facilmente. Talvez sejamos mesmo o vírus desse novo mundo no qual não escolhemos estar, mas eu ainda tenho fé. Tenho uma minúscula força que se manifesta na fé de que um dia a coragem voltará a habitar o corpo dos meus iguais. Um dia seus entorpecentes não farão mais efeito sobre nossos corpos cansados. Um dia lutaremos como nossos antepassados, que lutaram por seus direitos contra sua própria nação nas maiores guerras civis da história, que hoje não passam de relatos e mitos passados de boca em boca, apenas disponíveis nas bibliotecas dos ricos e poderosos. Só deixe-me sonhar com esses dias de glória... É o que me resta nesse mundo seco e precário de tudo. De comida; De água; De saúde; De amor.

Ops! Esta imagem não segue as nossas directrizes de conteúdo. Para continuares a publicar, por favor, remova-a ou carrega uma imagem diferente.
The Rest Of Us // H.S.Onde as histórias ganham vida. Descobre agora