Capítulo 2

41 3 2
                                    

Era uma noite fria e o vento parecia estapear meu rosto, sentia como se eu pudesse morrer de frio a qualquer momento, claro que com um pouco de concentração eu poderia fazer um agasalho até mesmo do asfalto usando meu poder, mas eu não queria depender dele, já que foi dele a culpa de eu estar nessa roubada agora. Já fazia mais de vinte e quatro horas que eu me afastava o máximo que eu conseguia da casa de Mike, mas meu pensamento continuava lá, não conseguia deixar de lado o que aconteceu e aquilo pesava em minha consciência. Era desesperador imaginar que eu não veria mais aquelas pessoas para as quais eu era tão querido... E o sentimento era mútuo. Eles só haviam morrido porque eu não soube diferenciar ilusão de realidade e porque eu me deixei entregar ao rancor, às mágoas, por eu não saber controlar a maldição que me tinha sido imposta desde o nascimento.


Afastei tais fúnebres pensamentos da minha mente, porque era hora de pensar no que fazer. Não sabia para onde ir agora, tampouco o que fazer, mas uma coisa era certa, eu não passaria outra noite na rua, pois já estava cansado por não ter dormido na noite anterior. Andei pelas ruas a procura de qualquer abrigo e, por um instante, cheguei a considerar dormir embaixo da ponte, mas antes disso consegui achar uma casa abandonada. Sua estrutura parecia decrépita e a madeira podre, quebradiça, havia alguns ninhos de cupim aqui e ali, mas teria que servir, então fui em direção à entrada. A porta estava entreaberta e um pouco quebrada, mas meu corpo não passava pela abertura e tinha escombros segurando-a por trás, logo não a consegui mover. Logo vi que havia uma janela de vidro, misteriosamente ainda intacta e atirei nela uma pedra com toda minha força, que não era grande coisa, mas foi mais que suficiente para me criar uma entrada na casa.

Por dentro a casa estava tão acabada quanto por fora, talvez mais. Grande parte das vigas no teto estavam rompidas, partidas em duas; quando pisava no chão as tábuas rangiam alta e intensamente, chegando algumas a até mesmo quebrar. A janela pela qual tinha entrado era de um cômodo adjacente à entrada principal, de onde eu conseguia ver a porta pela qual tentei entrar, podia ver nitidamente os escombros que a bloqueavam a mão humana que saía debaixo deles. No chão havia sangue seco, parece que ninguém tinha se incomodado em saber o que havia acontecido ali ou em tentar ajuda quem morava na casa... Só mais um bando de corpos para entrar nas estatísticas da cidade baixa, talvez nem isso, já que não houve nem um enterro decente para os coitados... Não queria usar minha habilidade, mas senti como se a responsabilidade fosse minha de dar um enterro adequado para aquelas pessoas, já que eu era o único que sabia da existência delas, comprimi todo aquele aglomerado de madeira, terra e afins em uma esfera do tamanho de uma bola de gude tão densa quanto o núcleo de um planeta que flutuava no ar e, sem tocá-la, a joguei fora da casa – ao cair no parque em frente, fez um estrondo extremamente audível – revelando assim o corpo semidecomposto que estava logo abaixo. Não era algo bonito de ser ver e o cheiro insuportável quase me fez vomitar. Recolhi o corpo – ou o que havia sobrado dele – com minhas próprias mãos, o levei ao parque que ficava em frente à casa e o enterrei lá, usando minha maldição para cavar. Antes de sair notei que a esfera que havia arremessado tinha rachado o chão ao seu redor em uma circunferência perfeita. Como já era madrugada e eu estava na cidade baixa, onde a violência reinava, as pessoas não estavam circulando e o barulho não havia chamado a atenção – ou talvez tivesse, mas ninguém teve a coragem de sair de casa e conferir o que era, elas haviam aprendido do jeito difícil a não fazer isso por aqui. Voltei à casa e cai em sono profundo no sofá que ficava alguns cômodos depois da entrada, mas não era pelo sono ser profundo que ele não havia sido conturbado. As imagens dos corpos de Mike e seus pais não saiam da minha cabeça, especialmente o de Mike, que estava completamente em frangalhos e eu nem me lembrava de tê-lo feito.

Era noite numa floresta, não sabia como havia parado lá ou onde estava, mas eu corria de algo desesperado, do meu braço o sangue pingava em gotas grossas sem parar, olhava para os lados e só via árvores e mais árvores... Para cima, a lua cheia enorme olhava de volta para mim enquanto a admirava pasmo pensando que aquela poderia ser a última coisa que via em vida. De repente fui derrubado e senti pressão sobre meus ombros, olhei para baixo e vi que minhas mãos não eram de fato minhas, olhando para cima, o espectro de um lobo repousava sobre mim majestoso, dentes à mostra e a cada ofegar, despejando um pouco de seu hálito sobre meu rosto. Pisquei. Agora não via mais o lobo, mas estava em cima de alguém, um rosto conhecido, um rosto amado... Era Melissa logo abaixo de mim, a fome me dominava e eu tentei me segurar com todo meu ser, mas os instintos me dominaram e ataquei-a diretamente no rosto.


inHUMAN - RewriteWhere stories live. Discover now