Capítulo 8

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Capítulo 8

A primeira visão no alto da duna era algo inacreditável. Ainda que sem fôlego devido à altitude, Ester testemunhou o agonizante fim da mãe natureza depois que se esgotaram todas as fontes de água. Montanhas em todas as direções rodeadas por formações rochosas desenhadas pelos ventos e erosão, que constituíam esculturas e paredões indescritíveis desafiando o entendimento humano de tão espetaculares. Nunca imaginou nada parecido no mundo. Aquele era o mais intenso e sublime pôr do sol da sua vida. Ali o sol baixava espalhando nuances laranjas, vermelhos, rosas e violetas pelo céu. Soltou a mochila aliviando o peso das costas, mergulhando na imensidão do deserto, sendo abraçada lentamente pelo anoitecer. O pequeno grupo fez uma breve pausa, e logo retomaram a viagem. Baruc queria aproveitar aquele momento, em que o calor diminuía para avançarem o máximo que pudessem. As primeiras horas da noite surgiram, as estrelas, cada vez mais numerosas foram cobrindo o céu, até que os cinco viajantes não puderam mais resistir ao cansaço enquanto o frio dava seus primeiros sinais.

Ao redor da fogueira montada por Baruc para preparar a única refeição deles no dia, Ester assistia ao fogo que ardia com labaredas firmes, vagarosas, enquanto o vento, de vez em quando, soprava em sua direção fazendo-a inalar um pouco da fumaça. Melhor do que passar frio – cochichou tossindo, tentando limpar a garganta. "Se Mirian visse isso, ela me entenderia. Todos precisavam ver isso... O deserto não é tão difícil assim, sei que ainda vou tirar eles daquele buraco." Se havia algo tão ruim no deserto, não devia ser pior que o barulho que Kauan fazia mastigando um pedaço da barra de proteínas, ou a risada forçada de Cristhian.

Eliseu lia sua Bíblia aproveitando a claridade do fogo. Os três rapazes conversavam descontraidamente. Baruc conferia o estoque de comida e água, enquanto Ester inquieta abraçava o próprio corpo tentando se aquecer. Baruc separou algumas latas de feijão e levou até o fogo. Ester só observava, imaginando o quanto aquela comida quentinha seria bem-vinda, lembrando os feijões que dona Ângela sempre fazia. Sentou próximo à fogueira assistindo às latas serem aquecidas.

Ester mastigava os feijões duros e mal cozidos distribuídos em potes que muitos anos antes serviram para sorvetes, recolhidos pelos Lagartos nas Ruínas. Aquele feijão não tinha tempero ou um mísero toque de sal, mas era o mais saboroso de sua vida. Qualquer comida no deserto tornava-se a melhor da vida. O caldo quente ajudava a se aquecer. O frio espetava todos os poros de seu corpo com tamanha força, que seu coração acelerava tentando manter a temperatura do corpo. Ela não se lembrava da última vez em que sentiu tanto frio como naquela noite. Olhava admirada a fumacinha que saia da boca de cada um. Todos estavam em silêncio e era visível o cansaço do longo dia.

Depois de jantarem, Ester deitou agarrada ao próprio corpo. O calor da fogueira diminuíra e ela tremia, tentando proteger o pescoço do ar gelado.

O som de seus dentes batendo eram tão altos, que Eliseu interrompeu sua leitura, levantou-se e foi até ela. Ester acompanhou o movimento dele, sem entender o que ele faria. Quando se aproximou, ela se afastou torcendo o pescoço. Ele parou logo atrás, retirou a sua jaqueta e cobriu Ester.

— Não preciso — ela recusou retirando a jaqueta das costas. — Eu aguento – entregou a blusa com as mãos tremendo.

— Não adianta discutir mocinha, vou cuidar de você – ele revestiu novamente as costas dela.

Ester o encarou em silêncio, depois se cobriu como numa capa. Eliseu se afastou e retornou até suas coisas, onde ajeitou a mochila como um travesseiro.

A fogueira durou mais algumas horas até se consumir por inteira. Todos dormiam no acampamento. Todos, exceto Ester.

A jovem se levantou sorrateiramente. Conferiu que os demais também dormiam. A escuridão reinava absoluta. Esperou seus olhos se acostumarem com a penumbra, e apoiado pela luz da lua e do céu carregado de estrelas, caminhou para longe da vista de todos. Precisava aliviar a bexiga. Durante toda a viagem não teve um momento de privacidade, e a melhor oportunidade era com todos dormindo.

Depois de se aliviar, ajeitou a calça e lembrou de marcar mais um dia no pulso. Retirou a faca da bainha que constantemente carregava na sua cintura, e fez um risco de leve, mas suficiente para deixar uma cicatriz. Tomada pela escuridão, não pode ver as gotículas de sangue brotando, por isso colocou a boca na ferida para conferir. Enquanto fazia isso, sentiu uma mão pesada agarrar seu braço.


GUERRA AZULOù les histoires vivent. Découvrez maintenant