PARTE DOIS

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Carlos dirigia pela rodovia quando foi forçado a parar no acostamento. O motor do sedã esfumaçava tanto que era impossível enxergar a pista. Ele, um promotor de justiça que não entendia absolutamente nada de mecânica, saiu do carro para tentar consertar o veículo.

 Ao seu redor, um vasto matagal se estendia nas duas direções. A neblina se misturava com a fumaça que saia do motor do automóvel, e a lua cheia dava um ar fantasioso à estrada. O vento soprava frio, e seu queixo batia sem parar. 

Abriu o porta-malas e pegou uma lanterna pequena que estava dentro de uma mochila, junto tinha um kit de ferramentas, nada que ele soubesse usar, mas tinha. Depois bateu na janela que estava fechada para manter o interior do automóvel aquecido. Teresa, ainda sonolenta, abaixou o vidro, nada mais que alguns poucos centímetros, para ouvir o que o marido tinha a dizer.

— Fica tranquila, querida. Deixa que cuido disso  — atenuou Carlos. Caminhou até a frente do carro, pôs a lanterna na boca, firmando-a com os dentes, levantou o capô e logo percebeu o óbvio — que nunca conseguiria fazer aquele motor voltar a funcionar. Sentiu-se diante de um quebra-cabeça metálico, que jamais seria capaz de completar sozinho. Carlos moveu a cabeça em sinal de negação.

Um brilho distante chamou sua atenção, o suficiente para lhe animar, mesmo que um pouco. O farol distante o fez olhar para o céu e agradecer a Deus. Aquela era uma luz no fim da estrada...

O veículo se dirigiu ao acostamento, há uns dez metros de onde o sedã da família estava. A luz alta ofuscava a visão de Carlos, forçando-o a olhar para o lado.

— Poderia, por favor, apagar os faróis?! — pediu, num tom alto, mas não irritado.

Os faróis continuaram ligados e ninguém saiu do veículo.

— Dá para desligar isso? — berrou Carlos, a essa altura Teresa e Guilherme já estavam acordados por conta da luz intensa e da barulheira.

Carlos ouviu uma batida de porta, o que o deixou intrigado. Em seguida notou a silhueta de uma pessoa em meio ao brilho do farol. Ele forçou a vista para enxergar melhor, e com muito esforço conseguiu identificar o modelo do carro: uma picape.

Espera aí... — murmurou Carlos, antes de a bala acertar sua cabeça com a força de um soco supersônico. Um tiro certeiro no meio da testa.

O sangue jorrou sobre o para-brisa do sedã. Teresa gritou, ainda que não entendesse de fato o que acabara de ocorrer.

A mulher mandou Guilherme se deitar no piso à frente do banco detrás do automóvel e saiu para ver o que estava acontecendo, ainda atordoada. Ela caminhou até a frente do carro e avistou o corpo do marido estirado no chão, como um animal que acabara de ser atropelado. Ao ver o marido naquela situação, Teresa entrou em estado de choque. O medo a fez congelar e esquecer que o perigo ainda estava ali, à espreita. A última coisa que ela sentiu, antes de se chocar contra o asfalto duro, foi o cano frio da pistola encostar-se à sua nuca.

Velho poderia voltar a sua picape e dar o fora dali, mas não, ele sabia que era necessário executar o serviço por completo. Ele seguia regras, eliminar todas as possíveis testemunhas estava no topo da lista.

Ele se aproximou da traseira do carro, guardou a arma na cintura e abriu a porta. Avistou Guilherme, em posição fetal, no piso do carro, com os olhos arregalados. Mesmo no escuro se enxergava o olhar de desespero nos olhos do menino, uma cena que partiria o coração de qualquer ser humano neste mundo.

— Ei, garoto. Venha aqui, levante-se — disse Velho, da forma mais doce possível.

Guilherme se recusou, o coitado já tinha mijado nas calças, e nada o tiraria do interior daquele carro.

— Venha. Não vou te machucar, está bem? — prometeu.

— Minha mamãe... — disse o garoto,  com a voz trêmula e frágil.

— Fica tranquilo, garoto! Vai ficar tudo bem. Não precisa se preocupar com nada — assegurou Velho, que na época tinha quarenta e oito anos, mas aparentava ter sessenta por conta do excesso de rugas e os cabelos brancos por completo. Mas tampouco importava o visual do homem, Guilherme sempre o veria como um demônio nas suas lembranças mais obscuras e profundas.

— Anda, garoto. Você vai acabar pegando um resfriado.

Guilherme o ignorou.

Velho esticou o braço o mais longe que pôde para ver as horas no relógio — por conta da miopia que o incomodava desde a adolescência —, depois sacou a arma e a apontou para o interior do sedã. Efetuou um único disparo contra a criança — raramente Velho gastava mais de uma bala por cabeça. Essa era sua marca, junto com a atuação hollywoodiana. Em nenhum momento demonstrou remorso ou pena. Manteve a expressão de indiferença de sempre.

13 de maio de 2001, o dia que ficou marcado com a execução da família de um dos promotores mais bem-sucedidos da cidade de Oliva.

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O Velho PistoleiroOnde as histórias ganham vida. Descobre agora