PARTE UM

853 99 70
                                    


Houve vários apertos de mãos. Todos já se despediram e prestaram as devidas homenagens ao recente ex-membro da organização. Em meio a todo alvoroço, Velho levanta o braço como se quisesse dizer algumas palavras de despedida. Se fosse qualquer outra pessoa na sala ninguém daria a mínima e continuariam a beber o vinho caro e a encher a barriga de caviar até vomitar. Mas no momento em que Velho põe a garrafa de vinho no pé da cadeira e sinaliza, todos se calam imediatamente. Não é só pelo fato de ele ser o grande homenageado da noite, nem por todo o serviço que prestara durante os longos e sangrentos anos de serviço. O que deixa todos ansiosos é o fato de Velho ser um homem antissocial que raramente puxa assunto com alguém. Discurso numa rodinha de bebedeira não faz parte do seu feitio.

— Tenho um último pedido — revela Velho.

— Pois não? — diz Edgar, o líder do grupo. Está sentado numa poltrona à frente de Velho, segura uma taça de champanhe na mão esquerda, no mesmo braço que ostenta um belo relógio de ouro maciço.

— Preciso adiar meu último trabalho.

— Você está zoando a gente, né? — questiona Lopes, o braço direito de Edgar, sentado no outro lado da sala. — Acabe com os cretinos de Lunar, depois você está livre para fazer o que...

— Shhh! — Edgar levanta o dedo indicador. — Adiar? Velho, qual o problema? Vai me decepcionar logo agora? Assim, do nada?

Velho dá de ombros.

Não é um interesse repentino, Velho sempre quis resolver pendências de um trabalho que realizara há quinze anos. Ao longo de sua carreira, gloriosos trinta e oito anos, ele foi um especialista e executou com sucesso todos os trabalhos que lhe foram ordenados. 

Mas um deles ainda o incomodava.

Maio de 2001. Velho observava um casal que caminhava no parque, às 16h, provavelmente no domingo mais quente daquele ano. Ele já os observava havia semanas, sempre estavam sozinhos, mas, por algum motivo, naquele dia estavam com o filho caçula.

Velho não podia adiar a tarefa, pois o julgamento aconteceria na manhã seguinte. Ainda assim, o parque não era o local ideal para efetuar a tarefa que lhe foi dada: executar o casal. Havia outras famílias no local, Velho não queria causar uma confusão desnecessária. Ele apenas continuou de olho na família pelo restante do dia.

O sol começou a se pôr, e o pai do garoto pegou uma toalha que estava dentro do sedã preto e a estendeu sobre a grama, depois acomodou seu filho nela. Logo em seguida, sua esposa saiu do carro carregando uma câmera fotográfica na mão esquerda e uma cesta de piquenique na direita. A mulher pôs a cesta sobre a toalha e sentou-se junto aos dois.

Velho já tinha em mente o que faria para se aproximar da família, só precisava ser cauteloso e esperar a hora certa de agir.

A mulher levantou-se e deu início a uma sessão de fotos. Velho carregava sua pistola quando o primeiro flash chamou-lhe a atenção; inseria as balas a cada lampejo, simultaneamente.

Já havia anoitecido quando Velho saiu de seu carro, uma picape, com a lataria de um vermelho desbotado, e seguiu na direção da família. Caminhou como se fosse dar um simples boa-noite, sem hesitação alguma. Chegou tão próximo que sua sombra projetou-se sobre eles. O homem olhou por sobre o ombro direito e viu o braço de Velho apontado no seu rumo. Mas não pôde enxergar muito bem por causa da luz de um poste que refletia em seu rosto.

— Permita-me ajudá-los. Faço questão de tirar uma foto de vocês reunidos - disse Velho, com um sorriso sereno aos olhos da família e macabro para quem o conhecia.

— Agradeceríamos muito! — respondeu o homem com um sorriso de gratidão no rosto. Vestia camisa branca e bermudão cor de creme. Tinha a pele marrom e não tinha sequerum fio de cabelo  na cabeça.

— Me chamo Carlos. Essa é Teresa — apontou-lhe o dedo —, minha esposa, e aquele é Guilherme, meu garoto.

— Que família linda, meu Deus! — exclamou Velho, com uma atuação digna de prêmios. — Juntem-se! Eu tenho que registrar este momento.

Velho tirou fotos da família, bateu papo com os pais e, em alguns momentos, até brincou com Guilherme, que tinha apenas oito anos. Após alguns minutos, Velho e Carlos já estavam conversando sobre as famílias e seus respectivos empregos.

Carlos admitiu como estava feliz por seu primogênito estar cursando faculdade na cidade vizinha. Velho também compartilhou coisas de sua vida pessoal, disse que tinha uma neta chamada Larissa, que era bancário e revelou estar ali no parque para esfriar a cabeça e resolver alguns problemas — a única parte que era verídica. Naquela noite, conversaram sobre todos os tipos de coisas: música, cinema, esportes, automóveis...

Já era tarde quando a família deixou o parque. Teresa revelou que seguiriam pela estrada em direção ao norte. 

Era tudo que Velho precisava saber.

O Velho PistoleiroWhere stories live. Discover now