Capítulo 2

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Em um primeiro momento, e também no momento seguinte, Caio se recusou a falar à polícia. Disse que não tinha nada a ver com a história e que jogar as suspeitas sobre ele parecia um expediente para desviar as atenções do verdadeiro responsável pelo crime – ou seja, Lídio. Tudo parecia óbvio demais, e por uma semana inteira pipocaram nos jornais trocas de farpas entre os candidatos remanescentes. Nos primeiros dias o povo até demonstrava algum interesse, comentava e apostava dinheiro. No final da semana a coisa já havia ficado repetitiva e ninguém tinha mais o que comentar. Só esperavam que elucidassem logo o caso para que os campeões das apostas pudessem recolher o prêmio.

À margem de toda essa confusão eleitoral, Marta vivia cada momento do luto, doloroso como se fossem mil agulhas perfurando seu coração. Nunca tinha imaginado que as coisas poderiam acabar daquele jeito: pensava que seu marido acabaria morrendo por causa da política sim, mas de enfarte, AVC, câncer. Homicídio estava fora dos horizontes. Apesar de tudo, eles viviam em uma cidade pacata, nunca haviam matado nenhum político antes. Augusto era o primeiro e até então não se sabia se haveriam outros depois.

Depois de algum tempo sem nem mesmo dormir na própria casa, Marta criou coragem e voltou, amparada pelos filhos. Mais cedo ou mais tarde, teria de encarar a casa vazia, os objetos deixados pelo morto que pareciam mesmo depois de dias ainda ecoar sua respiração nervosa e o timbre de voz vibrante que só ele tinha. Precisava dar um fim em todas aquelas lembranças e não sabia bem por onde começar, então ficou apenas olhando e fazendo um esforço enorme para não chorar.

Nesse momento, como se fosse providência divina, a campainha tocou. Era Ângela indo visitar a nova amiga.

Graças a Deus que você chegou... Eu estava precisando de alguém que me desse coragem.

Coragem para quê?

Para mexer nas coisas de Augusto, me despedir delas.

Puxa, não consigo nem imaginar o tamanho da dor que você está sentindo.

Me ajuda?

Claro!

Assim elas foram para o quarto do casal e lá começaram a revirar tudo o que podiam. Roupas que seriam dadas a instituições de caridade, livros que seriam distribuídos entre os filhos ou doados à bibliotecas, algumas caixas, pastas de documentos. No meio da confusão de objetos, um CD caiu no chão.

O que é isso?

Deve ser algum CD de música. Augusto gostava muito de ouvir jazz quando estava irritado, ajudava a acalmar.

Você quer ouvir?

Marta ficou olhando para o CD, indecisa quanto a ouvi-lo ou não. Acabou aceitando e o colocou no pequeno aparelho de som que mantinham no quarto. E nos primeiros segundos de audição, foi como se Augusto tivesse de repente ressuscitado e cruzado aquela porta com a voz que ela tanto sentia saudade de ouvir. Não era impressão; era a voz dele mesmo saindo das caixas de som.

Eu posso ajudá-lo a subir nas pesquisas.

É? Como e a troco de quê? Nós somos adversários, Augusto.

Podemos deixar de ser, rapaz. Tenho de confessar que acredito no seu potencial.

E a conversa continuava. A outra voz da gravação era de Caio. Perplexas, as mulheres só ouviam.

Vou retirar minha candidatura e apoiar você.

Isso vai funcionar?

Se você disser que aceita o trato e garantir que vai me manter ao seu lado depois que for eleito, garanto que vai funcionar.

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