Capítulo 1

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Quando viu no calendário a data em que aconteceriam as eleições, Augusto teve um bom presságio. Sete de outubro era o dia do seu aniversário, e coisas boas sempre aconteciam naquela data: o casamento, um dos três filhos, suas conquistas materiais e políticas geralmente estavam ligados àquele dia.


Então para ele já estava tudo acertado: os bons ventos que marcavam o sete de outubro lhe dariam a vitória e ele seria prefeito. Mesmo que as pesquisas indicassem vitória em primeiro turno para o candidato da oposição. Com o destino (ou os desígnios de Deus ou as forças ocultas) não se brinca.


Sete de setembro: logo mais à noite Augusto teria um novo encontro com o seu eleitorado, um encontro reverberado por caixas de som que atrairiam a vizinhança inteira do bairro de periferia escolhido para aquela "festa", principalmente os indecisos.

Escreveu duas laudas de fala só por precaução, mas acreditava tanto na veracidade daquilo que quando encarou aquela pequena multidão semiapaixonada, semicuriosa e semincrédula, amassou a folha e a passou discretamente para a pessoa mais próxima no palanque, que prontamente jogou a bolinha de papel no meio-fio.

Chamo a atenção de vocês, meus companheiros de luta, gente do povo como eu, para a grande responsabilidade que cada cidadão tem nas mãos. Está nas nossas mãos o futuro dessa cidade que os outros podem dizer que cresceu como nunca, mas vocês veem todo o dia o retrato da real estagnação a que são submetidos. As oportunidades de emprego, de crescimento, só vêm para quem já tinha tudo, isso é justo?

A militância grita: Não!

É justo medir a capacidade de alguém pelos diplomas, pelas notas alcançadas? Saibam todos vocês que quando um homem, quando um candidato desqualifica o outro só pelos diplomas que ele não tem, ele está chamando todos vocês de burros e incapazes!

Mais uma vez a multidão se manifesta, mas não é possível entender o que dizem, todo mundo grita ao mesmo tempo. Augusto se empolgava mais no discurso.

Vocês já viram um homem que está no topo dar a mão para alguém subir as escadas do progresso? Ele te dá uma vareta para que você segure e suba um degrau! Só um! Você que o ajuda a subir é esmagado por falsas promessas, pela egolatria deles, pela prepotência! Por isso eu digo: ponham a mão na consciência, meus amigos. Pensem que o povo que cresce unido vence unido e eu não quero vencer sozinho. Eu não vou mil passos a frente, como esses candidatos que se acham mais do que todo mundo, eu vou com vocês, vamos lutar e abrir caminhos juntos para o progresso dessa cidade. Eu acredito na vitória, meus amigos. Não é à toa que o dia da eleição é sete de outubro. Sete é o número da perfeição, sete é o dia da vitória, é o dia em que nós todos, de mãos dadas, vamos abrir caminhos rumo ao crescimento da nossa terra! Vamos vencer juntos!

Nisso todo mundo aplaudia. O candidato, seu vice e todos os outros que estavam no palanque, se dão as mãos. Fogos estouram no ar, fazendo mais barulho do que colorido no céu e espantando os cachorros da rua. E de repente, Augusto tomba para a frente, caindo sobre a militância inflamada.

Um gesto interessante esse de se jogar nos braços do povo em um comício, não? Daria uma boa capa de jornal. Mas a verdade daquela queda era a capa de um jornal sensacionalista: os eleitores que seguraram o candidato na queda logo perceberam o sangue nas mãos e o pânico se espalhou. O populacho, logo constatando que Augusto havia sido baleado, se espalhou como o pânico e o sangue que se esvaía dele. Nem houve tempo de obter socorro: o homem morreu em poucos minutos, tingindo de vermelho a bandeira verde de sua campanha.

Nos Braços do PovoWhere stories live. Discover now