Dramins

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Curitiba, dia 5 de Dezembro, de 2015, meu aniversário. Como adoro essa data; O cheiro de coxinha, o sabor dos brigadeiros e, magicamente, a linda elegância dos bolos decorados da mais variadas formas. Por mais que eu já não seja mais um menino, nada melhor que uma data para reunir os amigos de infância e jogar uma pelada no console X-Box, olhar para as bundas de garotas que nunca pegamos e, certamente, jamais iremos pegar. É, olhar para bundas com outros caras de 20 e tantos anos não é algo legal, mas fazer o quê, somos garotões por dentro.

Durante a festa, depois de falarmos de bundas, um novo assunto surgiu: pesadelo induzido.

— Você tá louco! — Afirmei, arrancando a cabeça do meu oponente com um único golpe de espada: Scorpion wins! — Que bobagem. Venci!

— Não é bobagem. Estou falando sério.

Jó, meu velho parceiro dos tempos de colégio, agora um, bom, não sei se isso é emprego, ele diz ser um blogger que ganha a vida escrevendo sobre coisas do além. Nunca desdenhei do "trabalho" dele. Acredito nessas coisas. Acredito que haja mais além do que nossos olhos podem ver. Acredito em pessoas que vendem suas almas. Acredito em criaturas que se escondem debaixo de nossas camas. Acredito em ladrões de corpos que se infiltram na nossa família depois de haverem matado pobres mães indefesas. Acredito em tudo, agora, inclusive que um simples pesadelo pode ser induzido e manipulado.

— Desculpe-me, mas não acredito nisso. — Insisti, começando um novo combate. — Desta vez você viajou demais.

— Viajei mesmo: e foi na Zâmbia que encontrei essa técnica para se invocar os demônios que se alimentam da nossa adrenalina descarregada durante o pesadelo. Os Dramins! — Pausou o jogo, largou o controle de lado e me fitou com um sorriso doentio. — Se você duvida, que tal eu posar aqui hoje e provar que o anel de Djicacús funciona?

Confiante de que daria tudo certo, aceitei. Não havia como aquela lorota ter sentido.

Quando me dei conta, a noite havia chegado a galope.

Às 22H a casa estava vazia, luzes apagadas e TV desligada. Jó me instruiu a deitar na cama e, olhando para o teto, ali ficar relaxado.

— Só isso? — Perguntei. — Não vai cuspir em mim, fazer defumações, me obrigar a beber cachaça com arruda?

Jó, silencioso, abriu a mochila, enfiou a mão e tirou uma argola de 20 centímetros de raio, feita com ramos ressacados que cheiravam a ovo choco.

Virou-se para mim e colocou aquela coisa sobre meu peito.

— Está feito. Basta você dormir e verá que não menti. — Vociferou Jó.

Apagou a luz, puxou uma cadeira para o canto do quarto e ficou ali assistindo eu me esforçar para dormir, mas o sono não chegava. Meus olhos ardiam e meu coração martelava. De algum modo, era como se meus instintos primitivos dissessem "não durma!".

Senti meu corpo suar e os batimentos cardíacos aumentarem, aumentarem, aumentarem; eu iria enfartar, tinha certeza. Pisquei os olhos e gritei; empoleirado na cabeceira da minha cama, onde meus olhos conseguiam alcançar, um grande morcego do tamanho de um menino de 13 anos farfalhava suas asas negras e membranosas. Fechei os olhos tentando me recuperar, tentando fingir que tudo aquilo fora ilusão, mas quando os reabri, quando olhei para o alto, meu corpo amorteceu. O morcego olhava para mim com brilhosos olhos vermelhos e, exibindo suas presas pontudas e gotejantes, soltou seu bafo azedo na minha cara.

— Sai daqui! — Gritei desesperado.

A criatura se agitou na cabeceira da cama, bateu as asas, saltou e começou a planar pelo quarto, até que, enfim, quando me esforcei para levantar e correr, pousou sobre o meu peito. Ele era mais pesado do que aparentava: seu peso me prendeu ao colchão.

Tentei golpeá-lo com os braços, mas o morcego estendeu suas asas, e com longos e finos dedos, imobilizou-me em definitivo.

— Socorro! — Berrei o mais alto que meus pulmões permitiram.

.Mas ninguém surgiu para me ajudar. Ele arqueou-se até sua bocarra babosa tocar a minha e guinchou. Mais uma vez senti um ímpeto de vomitar, mas resisti. Tentei gritar outra vez, mas desta o som não saiu de minha garganta: eu estava mudo!

O morcego levantou um dos seus pés: era preto, esquelético e apresentava garras grossas e afiadas.

— Olá, meu filho. — Vociferou o morcego, deslizando as garras do pé sobre o meu peito. A camiseta rasgou-se, a carne cedeu sendo rasgada como manteiga e o meu quente sangue fruiu. Uma dor profunda percorreu meu corpo, fazendo eu me contorcer todo e gritar (um grito mudo e desesperado). — Grite; dará mais sabor ao sangue!

A coisa Farfalhou a asas (espalhando ainda mais aquela carniça que emanava do seu corpo). Olhando para mim, um olhar que me fez querer morrer, abriu a bocarra e pôs pra fora uma longa língua roxa.

A língua passou pela minha testa, boca, pescoço (chorei), e, por fim, estagnou-se na ferida sobre o meu peito: sua língua parecia feita de sal; e sua saliva, álcool. Agonizando, enchi os pulmões e gritei. Desta vez o som saiu. Nunca imaginei que poderia gritar daquela forma.

Jó saltou da cadeira, acendeu a luz e tirou a argola que estava sobre o meu peito.

— Como foi? — Perguntou. — Sente um peso sobre o peito como se houvessem colocado toneladas sobre ele?

Olhei pros lados: a cama estava banhada em suor, eu ofegava e, numa discreta movida de mão debaixo do cobertor, vi que minhas calças estavam molhadas por um liquido morno. Pensei em relatar todos os sintomas de um medo descomunal, mas tudo que fiz foi assentir. Jó estava certo, meu peito doía.

— Seu peito dói porque um Dramin pousou sobre a argola e estava sugando sua alma pela boca: o beijo da morte.

— Você o viu? — Perguntei. Senti o medo ressurgir.

— Não, mas isso não muda a verdade, há muitos deles neste quarto, melhor você posar algumas noites lá em casa até eles acharem outra vitima.

Com olhar vítreo para a parede, o fôlego acelerado e as calças molhadas, simplesmente assenti. A última coisa que eu queria, humildemente, era dividir um quarto com outra daquelas coisas.

DraminsWhere stories live. Discover now