Prólogo

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          O dia que se fez entre o adormecer e o despertar daquela incomum lua cheia celebrava pela décima vez seu nascimento

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          O dia que se fez entre o adormecer e o despertar daquela incomum lua cheia celebrava pela décima vez seu nascimento. Este dia se tornaria o eterno motivo dos vários momentos que Antoinette Sardou olharia para trás. A vivência na vila em que ela cresceu era simples, monótona e sombria. Todos pareciam seguir um código subentendido tal qual insinuava onde nem todos poderiam ir, o que nem todos poderiam fazer, e o principal: Sobre o que não falar.

         Ainda da cama ela podia escutar os passos das Mulheres da Floresta, que faziam seu caminho de volta para casa como nos outros dias. As solas duras dos sapatos batiam sobre a poeira caída entre os tijolos de pedra da rua. De tão lentos e sincronizados que eram, incitavam uma sensação de angústia frequentemente sentida por Antoinette. Quase que, só por isso, sabia que eram elas.

          O quarto estava frio. O branco incandescente que dava início ao dia entrava junto a brisa fresca pela janela esquecida aberta. Era um daqueles costumeiros dias que se tem dificuldade de olhar para a claridade do céu. Despertou de uma só vez. Naquela manhã, o seu corpo não suplicava por mais alguns momentos de preguiça debaixo do edredom; e o contraste do calor do seu corpo coberto com o frio que tocava seu rosto mal fazia diferença. Sentou-se empurrando o amontoado de cobertas para o pé da cama. Espreguiçou-se deixando que sua cabeça pendesse para trás quando abriu os olhos e o contraste de algo escuro em cima dos lençóis chamou sua atenção. Afastou-se bruscamente por apreensão e curiosidade de saber até onde se estendia a mancha amarronzada.

          Ela não pode evitar o grito curto e agudo que saiu garganta à fora, juntou os joelhos no peito e os abraçou forte enquanto apertava as pálpebras com uma necessidade tão grande como se o feito pudesse fazer desaparecer o motivo da sua aflição.

          O pai, Adrien, despontou na porta e pôs-se aos pés da menina a procurar em seu rosto a fonte do perigo. Seguiu o olhar dela que caía sobre a cama; o seu, torturado, tornou-se aos poucos compreensivo. Suas palavras não foram de conforto, muito menos davam alguma explicação para aquele acontecimento que já devia ser esperado.

          — Cachinho, querida, olhe para mim — Adrien segurou a cabeça da menina com as duas mãos e nivelou os seus olhos aos dela —, não se preocupe com o sangue. — Ele vacilou, quase como se não pudesse acreditar nas palavras que sairiam de sua boca — É outra coisa que você deve temer. Eu preciso que preste aten...

          — Sa-sangue? Isso é sangue? — Antoinette começou a hiperventilar, abrindo a boca a cada vez que inspirava breve e profundamente. Seu corpo frágil expandia e encolhia em pavoroso ao segurar os antebraços do pai.

         Uma mulher de cabelos longuíssimos quase brancos interrompeu o pai e dirigiu o seu olhar piedoso para a menina. Sentou-se ao seu lado e abraçou-a de forma terna. Aquele dia, em algumas famílias, poderia ser celebrado com entusiasmo; em outras, não passaria de um dia ordinário; mas para a família de Antoinette, sua primeira menstruação tinha um significado peculiar. E não só, a transformação natural do seu corpo sugeria uma ameaça perturbadora àqueles três.

Íris do Mal EtéreoWhere stories live. Discover now