Capítulo 2: A Primeira Criança

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            Lá fora, lufadas de ventos tornavam a tarde amena e agradável, mas o panorama proporcionado pelo Boteco Esperança era repugnante

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            Lá fora, lufadas de ventos tornavam a tarde amena e agradável, mas o panorama proporcionado pelo Boteco Esperança era repugnante.

─ Arreda o pé daqui, Marilene! Vá! Antes que eu fique fulo e te encha de porrada! ─ gritava um homem carrancudo de baixa estatura.

─ E tu acha mesmo que eu vou ficar em casa lavando seus pertences enquanto você fica em um boteco atrás de prostituta? Você acha mesmo, Augusto?

─ Eu só não acho, como tenho certeza! Fique quieta e não me faça repetir!

Tais cenas eram parte do cotidiano daquele lugar. Se não fosse pelo único resquício de sanidade mental e as poucas horas fora da turbulência do trabalho, Elis chutaria aquele bêbado imundo até seus pés ficarem roxos.

─ Meu senhor ─ interrompeu a briga alcançando o ombro do minúsculo homem ─, você vai parar com a baderna ou vai querer dar uma voltinha comigo? ─ disse mostrando o distintivo pendurado no bolso.

─ Eu não tenho medo de polícia, minha senhora ─ o homem disse com escárnio.

─ Pois está na hora de começar a ter ─ falou apalpando o revolver por trás do sobretudo.

O homem vacilou o olhar, mas prosseguiu o diálogo com fúria:

─ Vai-te embora, Marilene, mais tarde conversamos.

Não era difícil encontrar homens de peito estufado naquele boteco, mas o seu escasso humor e contados sorrisos fizeram com que essas aparições fossem menos continuas. E mais que isso, os habitantes da pequena cidade, sempre acostumados com hospitalidade e conversa solta, transformaram a imagem da nova policial em um mistério nada instigante. Sempre que podiam, evitavam trocas de olhares e bom dias.

De volta a cadeira, Elis observou sua cerveja junto ao maço de cigarros. Essa era a visão que tinha desde os seus vinte anos de idade, quando encontrou a válvula de escape para todos os seus pensamentos sombrios. A solidão não era sua por completo, ainda andava consigo os copos e o tragos.

O agudo som vindo do bolso fez Elis sair das suas divagações e se dirigir ao lado de fora para entender o que diziam na outra linha.

─ Alô.

─ Ah, que bom que você atendeu!

─ Sério, Frank? ─ a mulher revirou os olhos. ─ Nesse horário? Meus direitos trabalhistas me dão o direito de desligar essa ligação.

─ Eu não o faria se fosse você.

─ Sem delongas, qual é o problema da vez?

─ Acabamos de abrir um inquérito. Há um menino desaparecido por 24 horas; oito anos de idade, classe média baixa, mora apenas com o pai...

─ Eu não acredito que você interrompeu minha noite para isso! Crianças se perdem a todo momento, daqui a pouco devem encontrar.

─ Interrompi sua noite? Temo que nada de muito fantástico estivesse acontecendo ─ o homem pigarreou ─ Há algo de intrigante nisso, eu posso sentir, minha querida. Veja, o menino saiu de casa para provar que a tal lenda de dona Nancy não era real.

A Lenda de Dona NancyWhere stories live. Discover now