Capítulo 1 - O Ponto Sem Retorno

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A estranha lhe deu um sorriso cúmplice, porém Léo estava apavorado. Estaria sonhando com a mulher? Haveria pulado e ela era seu Anjo da Morte?

-Você é um Anjo da Morte?

-Ora, ora. Você está quase certo. Mas não, eu não sou um Anjo da Morte. Responda-me uma coisa e eu te direi quem sou.

Léo sentiu-se ultrajado pela situação incomum. Seu coração gritava para pular, enquanto sua mente, atordoada, esperava por respostas.

-Pergunte logo.

-Por que se matar nessa etapa da sua vida? Você não conseguiu o emprego dos seus sonhos, tem uma boa família e não encontrou o seu grande amor.

-Porque estou triste.

-Hum.

-É complicado dizer o porquê. Mas o mundo parece piorar cada vez mais. Sinto uma tristeza crescendo a cada dia, a cada nova guerra que se inicia, a cada pessoa mesquinha que conheço, cada riso falso que eu dou. E o que dizer das injustiças? Pessoas inocentes sendo presas, corruptos fora da cadeia. Essa violência toda me machuca.

-Você também já foi violentado.

Léo não pareceu se surpreender pela mulher saber da única coisa que era incapaz de dividir com alguém.

Sim, ele fora violentado quando criança.

E por um primo distante, adolescente. Na época não tinha noção do que acontecia, afinal, tinha apenas 5 anos e foram poucas vezes, porém quando se deu conta do que havia acontecido e acreditando que seu primo não lembrava mais dos episódios, ele achou por bem não falar com seus pais.

Mas Léo nunca se sentiu completo.

Alguma coisa dentro de si havia sido roubada, talvez naquela época grotesca. O fato era que o sexo passou a ser uma moeda de troca. Uma pessoa usando o corpo da outra para obter prazer.

-Quando me dei conta de que nunca seria completo, resolvi terminar com tudo. –Sentenciou o jovem.

-Você quer se matar como um meio de acabar com a dor, mas a morte é o fim.

A mulher foi se aproximando do quase suicida enquanto terminava de falar.

-É o prazo final para todo mundo. A recompensa dos justos e o início do inferno para os pecadores. A volta para o berço primordial, o abraço do vazio existencial. Algo grande e particular para cada pessoa, mas uma coisa eu lhe digo, a morte é justa e definitiva.

Cessou os passos diante de Léo que agora descia do parapeito. Olhava para ela se recordando de quem ela era.

-Você é uma das possuídas pelos espíritos dos deuses! Você é a morte!

Ela apenas deu mais um trago no cigarro e continuou encarando ele.

-Caramba! O que faz aqui?

-Vim fumar.

Léo riu. Logo seu riso se transformou em gargalhada. Não acreditava que algo tão extraordinário pudesse acontecer consigo depois de todos esses anos. A terapia não lhe fazia mais efeito. Nenhum curso ou religião lhe trazia a satisfação que sentia de estar naquele momento com um dos seres mais poderosos da face da Terra.

Observou o semblante indiferente da mulher e se lembrou do discurso que ela deu na ONU. Muitos a retrataram como uma entidade perigosa, vingativa. Mas agora compreendia que sua indiferença e senso de justiça foram mal interpretadas por políticos medíocres e corruptos. Seu discurso foi enérgico. Ela disse que não perdoaria os pecadores, não, ela disse que teria prazer em fazê-los pagar quando morressem.

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