Capítulo 1 - O Ponto Sem Retorno

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O Ponto Sem Retorno

Não tinha mais retorno.

Do alto daquele prédio, um daqueles antigos da cidade, na noite mais bela depois de duas semanas de chuva, ele decidiu terminar com isso.

Estava embriagado de agonia e lucidez. Pela primeira vez tomaria uma decisão importantíssima em sua vida. Os sons dos carros e das pessoas estavam muito aguçados. Sentia seu sangue correr alucinantemente em suas veias. Arrepios percorriam seu corpo devido ao vento gélido.

"Como posso me sentir tão vivo quando estou prestes a morrer? "

-Não tem mais jeito.

-Que pena.

O homem virou para a dona da segunda voz. Acreditava que estaria sozinho no terraço daquela construção. Uma silhueta começou a se formar entre as sombras próximas a porta, por onde viera, e aos poucos a luz revelava o intruso.

Uma mulher caminhava lentamente em sua direção, arrastando os passos. Usava roupas compridas, talvez pelo frio. Por deus! Ela estava muito pálida.

"Está doente? "

Seus olhos caídos, negros, pareciam mais profundos devido a suas olheiras. Seus lábios esbranquiçados e levemente roxos estavam entreabertos. Sua respiração era pesada. Apesar de tudo, não podia deixar de admirar a bela composição que aquela figura fúnebre transmitia.

-O que disse?

Ela seguiu até o parapeito não muito longe dele e se escorou, ascendeu um cigarro e observava o horizonte.

-É uma noite agradável, mas você não irá aproveitá-la. Uma pena.

-Como chegou até aqui? Não ouvi seus passos.

A estranha deu mais um trago e continuou a mirar um ponto qualquer.

-Com os pés, oras.

-Não vê que estou num momento íntimo para ouvir suas gracinhas? Ou por acaso pensa que pode me impedir?

-Você veio se matar. Nada mais justo que eu esteja aqui com você.

-O que quer dizer com isso? –O homem começou a ficar nervoso com a intrusa. –Saia daqui agora!

-Você já irá morrer e eu ficarei sozinha, que diferença isso faz, Léo? Espectadores estão por todas as partes. Essa vida é um show e você está chegando no seu Grand Finale. Nada mais justo que alguém te aplauda no final.

-Quer me ver morrer? Espera! Como sabe meu nome, sua sádica?

A mulher, pela primeira vez olhou para ele.

Léo não deveria ter nem 25 anos. Era um garoto de classe média, olhos azuis bem claros e um formato do rosto marcante.

-Você tinha tantos sonhos, Léo. Queria ser veterinário quando era criança. Lembra quando seu cachorro adoeceu e você o encheu de beijos?

O jovem que alternava sua atenção para a mulher e para baixo, mais exatos 14 andares abaixo, estava confuso.

-Minha mãe sempre beijava meus machucados, dizendo que já iriam sarar.

-Mas ele não sarou, não é mesmo? Depois você quis ser jogador de futebol. Seu pai comprou sua chuteira e te matriculou numa escolinha de futebol.

-Eu estava me lembrando disso. Como você sabe dessas coisas? QUEM É VOCÊ?

-Pude ver em seus olhos. Não há nada que uma pessoa próxima da morte possa me esconder.

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