Capítulo único

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- Edu, você se lembra, não é, que tem que pegar o smoking shopping hoje, até as cinco horas, certo? – Maria tagarelava do outro lado do telefone – Por favor, não se esqueça! O casamento é amanhã de manhã e, minha nossa... Estou um pouco tensa com tudo isso.

- Não vou me esquecer – resmunguei – Não quando você me liga de cinco em cinco minutos para lembrar!

Há três meses, três terríveis meses, Maria me falava desse bendito smoking, dessa bendita festa, e desse bendito casamento. Será que ela não podia simplesmente ligar para Marlene e discutir os detalhes com ela? Era tão difícil assim entender que eu não estava interessado em alianças, vestidos e bolos? Porque eu não estava. Nem remotamente.

- Você está com aquela voz esquisita outra vez, o que aconteceu? – Maria perguntou ao telefone – Eu acordei você? Ah, pelo amor de Deus, são quase duas horas da tarde. Tudo bem que é um sábado, mas não acha um pouco exagerado? Aposto que ficou acordado até tarde se oferecendo para alguém, não é verdade? – reclamou – Talvez você é quem devesse estar se casando, sabia? Ou talvez se envolvendo com alguém com quem pudesse ter algo mais produtivo. Ei! Se você se casasse, eu e o Dan poderíamos ser os padrinhos! O que acha? Ele tem uma colega do trabalho que você talvez fosse gostar. Ela é loira, do jeito que você gosta.

Como se Maria soubesse alguma coisa sobre o tipo de mulher que eu gosto... Mais precisamente, o tipo dela. Ela.

Enfim. Se ela soubesse de algo, talvez eu não estivesse nessa situação deplorável.

- Por favor, não o chame de "Dan" na minha frente, eu já pedi, é um tanto quanto nojento – mais até do que ela poderia imaginar – Chame-o só quando estão...

Mas a expressão "à sós" era mais do que o meu estômago me permitia àquela hora.

- Engraçado, por que ninguém gosta que eu chame o Dante assim? – perguntou, muito provavelmente com uma expressão de indignada. – A Lene disse que era muito tosco, e o Sérgio, ah! Você não vai acreditar no que ele me disse!

- Vou – ri – Conheço o Sérgio, sei das barbaridades que ele pode falar. O que foi dessa vez?

- Ele disse que "Dan" era o meu... Bom, você acredita nisso? Ele disse que eu ia me arrepender do que estava fazendo. Como o Sérgio pôde dizer uma coisa dessas às vésperas do casamento? Dante ficou irritadíssimo quando comentei e, sinceramente, com razão.

Sérgio Bueno, vulgo meu melhor amigo, e Marlene Lima, vulgo melhor amiga de Maria Gutierrez, eram as duas únicas pessoas do mundo que sabiam que os sentimentos que eu nutria por ela não eram tão fraternais quanto Maria acreditava. Mas, até aquele momento, eu esperava que eles se mantivessem calados. Aparentemente, essa era uma grande ilusão.

Maria tem sido minha melhor amiga há exatos 30 anos. Nunca vou me esquecer do dia em que a conheci, por mais estranho que possa parecer. Tinha cinco anos e brincava com uma espada invisível quando um caminhão de mudança parou na casa em frente à minha e uma garotinha gordinha, com duas trancinhas de um laranja muito vivo e um pirulito maior do que podia carregar, saiu de lá de dentro, e começou a correr em volta de um arbusto no jardim, enquanto a mãe berrava para que ela se afastasse das formigas. Nunca tinha visto nenhuma criança ser transportada para uma casa nova dentro de um caminhão. Na época, tinha invejado com sinceridade a ousadia.

Maria se tornou minha melhor amiga antes mesmo que eu aprendesse a escrever meu nome completo. Durante trinta anos, passei quase todos os dias da minha vida ao seu lado, aprendendo a amar cada um de seus traços. Aprendi a rir das suas brincadeiras e peculiaridades, como da explicação de que viajar no caminhão da mudança fazia com que a pessoa se tornasse muito mais importante, mesmo aos três anos. Vendo-a se tornar a menina mais bonita do bairro. E, mais cedo do que eu gostaria, aprendi que Maria nunca me veria como mais do que um irmão que conheceu quando criança.

O CasamentoWhere stories live. Discover now