Capítulo 6

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"Filha?!" Tentei me dirigir a ela, hesitante, sem jeito. Era a primeira vez que o fazia. Sempre me sentira bem boba só de pensar em falar com a barriga, então não chegava nem a começar. Mas desta vez era diferente. Não era falar com a barriga, era falar com ela, aquele alguém de carne e osso que se mexia em meu ventre. "Filha?!" repeti. E mais não disse. O que deveria dizer? Desculpar-me, talvez? Mas não era culpa minha. Nem dela. Não era culpa de ninguém. "Uma fatalidade," como falara o obstetra.

Tivesse ela começado a se mexer três dias antes, meu primeiro impulso seria o de acordar meu marido imediatamente e dividir com ele a novidade. Passaríamos o resto da noite na maior excitação, conversando sobre como ela seria, erguendo castelos no ar, aguardando ela se mexer outra vez. No outro dia, iríamos trabalhar com um sorriso radiante no rosto, a adrenalina mascarando o cansaço da noite insone. Suspirei de saudades pelo que poderia ter sido, mas não seria jamais. Deslizei as mãos pela barriga, mas nossa menina agora estava quieta. Talvez dormisse. Já eu me resignava a outra madrugada em claro.

Na manhã seguinte, à mesa do café, contive-me e nada disse a meu marido. É mais fácil conformar-se à perda de um bebê que é pouco mais que uma ideia que àquela de um bebê tangível, sólido, a mover-se em meu útero. Eu não poderia ser poupada, mas meu marido, sim. Optei por não expô-lo àquele sofrimento. Com isso, fui-me sentindo a cada dia mais solitária. Nunca tivera segredos para ele, menos ainda um dessa monta. Quanto mais vigorosos os movimentos dela se tornavam, mais me fechava, temendo deixar a verdade escapulir. Certa tarde, em que eu perseverava em meu mutismo já contumaz, ele rompeu o silêncio:

"Gostaria de conhecê-la," disse, num suspiro, em parte para mim, mas mais para si mesmo. Faltavam quatro dias para o "procedimento", como nos referíamos ao aborto.

"O quê?" perguntei, como se retornasse de um transe.

"Nada, estava apenas pensando em voz alta. Você tem estado sempre tão calada que chego a esquecer-me de que está aí."

Senti-me um pouco magoada, mas eram dias de emoção à flor da pele, e relevei. Estávamos cansados e frustrados, e tínhamos apenas um ao outro em quem despejar nossa raiva. Nem sempre, portanto, éramos muito gentis. Como eu nada respondesse, ele prosseguiu:

"Desculpe-me. É que ainda estou abalado, porque... porque sonhei com ela essa noite."

Claro que eu sabia a quem ele se referia. E, com essa frase, arrebanhou toda a minha atenção. Esqueci-me completamente da mágoa recém-impingida.

"Conte-me tudo," pedi, ávida.

"Bem," ele começou, "não há muito a contar. Era de manhã, e estávamos tranquilos — não parecíamos em nada com aqueles casais nervosos dos filmes, a correrem como loucos no meio da madrugada. O quarto em que nos encontrávamos era, eu suponho, de alguma maternidade muito antiga, pois o piso era de tacos de madeira, o pé direito, bastante alto, e havia grandes janelas verdes, abertas, por onde entrava a luz do sol. Então, ela nasceu. Calma, sem chorar, abriu os olhos e nos encarou com firmeza, quase obstinação."

Segurei sua mão e enfim me manifestei:

"Foi um sonho muito bonito. Obrigada por compartilhar," falei com voz trêmula.

No ControleWhere stories live. Discover now