CAPÍTULO 6 - Sou sua guardiã

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Chego à seguinte conclusão de que não estou louca. Fechei e abri aquele livro diversas vezes para ter certeza. E lá estava minha ilustração, uma garota com o livro no colo, seu semblante mais assustado a cada vez que eu olhava a página de novo. Por que eu e minha tia estamos nas ilustrações? E quanto àquela fada correndo em meio a um bosque, com traços bem familiares? Seria ela uma representação da minha mãe? O que é tudo aquilo? Algum de tipo de brincadeira de mal gosto?

Passo o resto da semana com a sensação de estar com uma faca no pescoço. Continuo sentindo o olhar inquisidor de Catarina o tempo todo. Percebo também suas indiretas. Na sexta feira, ao levar seu chá da tarde, sou surpreendida com isso:

— Ah, estou tão estressada essa semana. — Catarina massageia as têmporas.

Arqueio uma sobrancelha. Quando ela não esteve estressada?

— Cheguei a ter um surto e acabei jogando um livro caro na parede.

Como eu não digo nada, ela estreita os olhos e continua:

— Vi que você guardou ele pra mim, mas não tive tempo de ver o estrago que eu fiz. Ele ficou muito amassado, Sophia?

Catarina com certeza sabe algo sobre as gravuras. Está sondando de novo.

— Não muito, só as pontas da capa.

Resolvo não dizer nada sobre as páginas arrancadas. Elas sumiram misteriosamente depois daquela noite. Vou fingir nunca ter visto elas.

— Hum, ótimo, que bom que guardou. Você é tão prestativa.

A julgar pela ladainha, ela está prestes a me dar uma nova tarefa.

— Ah, nossa, me lembrei de uma coisa. As meninas acabaram de me dizer que vão sair amanhã cedo pra comprar as fantasias delas antes da festa.

— Você quer que eu vá com elas?

Ela não tira os olhos do notebook enquanto fala.

— Não. Tenho uma ideia melhor. Meu closet está uma bagunça, e tenho um monte de roupas que precisam ser passadas de novo. Aproveitando que as meninas não vão estar aqui pra te interromper, você pode ajudar a Jose com isso amanhã.

— Amanhã? — Encaro-a.

Catarina tamborila as unhas compridas na mesa. O som é tão irritante quanto ela.

— Sim. Amanhã. Por que, marcou alguma coisa? Com tanto trabalho pra fazer, Sophia?

— Hã... não — desconverso. — Só acho injusto você me prender aqui dentro o dia todo, sendo que eu também vou pra festa.

— Injusto? — Ela se recosta na cadeira giratória. — Por acaso estou te proibindo de sair, sobrinha? Quantas vezes eu já disse que tudo o que faço é para o seu bem? Como pretende ir à festa com esse tom arrogante? É claro que você pode ir, desde que cumpra sua tarefa. Como vai fazer isso, é problema seu, entendeu?

— Sim senhora. — Faço a reverência que ela tanto odeia. Minha vontade é de xingá-la dos nomes mais feios possíveis. Entretanto, dou meia volta e saio do escritório.

Depois que retorno do trabalho, tudo ocorre como sempre, apesar da vigilância de Catarina. Ajudo Jose a fazer uma lasanha. Sara e Clarisse papagueiam sobre o dia seguinte. Catarina faz seu interrogatório noturno sobre as tarefas domésticas. Cada uma vai para seu quarto.

Quando enfim me deito na cama, estou tão envolvida em preocupações que mal dou atenção aos pequenos ruídos que ouço. Torço para que pelo menos não seja um inseto vagando pelo quarto e assim como nas outras noites, reflito sobre o que pode estar acontecendo. Minha mãe. Catarina. O corvo. O colar. Aquele livro esquisito que parece ter vida própria. Agora estou certa de que nada do que vi é apenas fruto da minha imaginação, mas essa constatação não faz as coisas terem mais sentido. Quer dizer, nada faz o menor sentido. Estou perdida, esgotada. Lutando contra algo que não sei o que é.

O destino de CinderelaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora