Dias atuais

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- Alice - chamou ao se aproximar.

Ela estava parada em uma roda de pessoas, todos conhecidos dos dois e o desconforto dos amigos foi nítido. Ela sorriu para todos e caminhou até ele, Thierry sentiu seu corpo inteiro formigar com a proximidade dela.

Três anos. Três malditos anos em que esperou por uma ligação, em que implorou por uma notícia, em que desejou saber onde ela morava, o que ela fazia. Se ela tinha conseguido seguir. E de repente ela estava ali, tão linda e sorridente como no dia que se conheceram, tão doce e cheirosa, mas já não tão dele.

Havia muito em Alice que ele nunca saberia e isso doía, doía porque um dia, lá atrás, ele pensou que seria para sempre, que dividiriam as mesmas histórias, os mesmos filhos, os mesmos netos.

- Oi, Thierry. - ela cumprimentou e Thierry sentiu vontade de esmagar alguma coisa ao escutar aquela voz. - Queria me desculpar por não ter falado direito com você na loja de brinquedos. A Anastácia estava no modo mimada e eu fiquei bastante surpresa e desconcertada por te encontrar, não soube como reagir.

- Não tem problema.

- Não é todo dia que minha filha fica fazendo barraco porque quer um pônei em detrimento de um unicórnio, espero que você saiba.

Ele quase sorriu ao vê-la se esforçando para conversar normalmente com ele.

- Você é feliz? - ele perguntou impulsivamente.

Alice retrocedeu um passo, mas logo se recuperou do desconcerto e o olhou nos olhos, de forma segura. Sorriu.

- Eu sou - respondeu sem hesitar.

Thierry respirou aliviado, soltou o ar que ele nem reparara que estava prendendo.

- Por que você não voltou? - ele perguntou com a voz soando pastosa.

Sentia vontade de chorar, maldito patético que era.

- Podemos conversar em outro lugar?

Ele olhou para trás, Anastácia estava brincando com os pais dele e com Larissa. Julia os olhava de forma curiosa e apreensiva. O coração batia descontrolado quando Thierry assentiu.

Ele a precedeu até um dos quartos de hóspede. Os dois fecharam a porta e ficaram parados, encarando-se, relutantes.

- Eu preciso te pedir desculpas. - Começou Alice. - Eu fui muito egoísta, eu sabia que você e os outros também sofriam pela perda do Vinícius e mesmo assim insisti em declarar a minha dor maior e única. - ela o olhou com a sinceridade brilhando nos olhos. - No primeiro ano eu não voltei porque estava destruída e senti vergonha de voltar sem ter conseguido dar nenhum passo rumo a uma vida normal. No segundo ano eu estava me recuperando. Eu viajei o mundo, eu conheci pessoas, fiz coisas. Me inscrevi em uma nova graduação, me reconciliei com meu pai. Aprendi a viver sem sentir culpa, sem sentir que era errado respirar quando o Vinícius já não fazia o mesmo. - ela sorriu novamente e estendeu a mão, unhas pintadas de azul, a pele quente que ele conhecia tão bem. - No terceiro ano eu não voltei porque você não teria me reconhecido, porque nem eu me reconhecia. Eu não era capaz de voltar ainda, mas agora sou. Agora eu me conheço e posso desejar que você também venha a conhecer.

Ele apertou a mão dela entre a sua.

- Eu ainda penso no Vinícius, mas já não sofro a cada vez que ele surge em minha mente. Penso nele com carinho, penso nele com amor e saudade. - ela contou. - E sei que era exatamente isso que você desejava para mim, que eu pudesse continuar amando meu filho em meu coração, sem nunca esquece-lo, mas que para isso não precisasse parecer apenas a sombra de mim mesma, uma ínfima parte do meu ser. Prazer. - ela disse com o sorriso refletindo nos olhos. - Eu sou Alice.

Ele ainda se sentia incapaz de deixar o peso da situação arrefecer, mas se esforçou.

- Alice... bonito nome.

- Eu tenho uma filha. - ela enumerou. - E tenho uma loja de sapatos. E tenho fotos em quase todos os lugares do mundo. Você quer conhecer minha filha, visitar minha loja e folhear meu álbum de fotos?

Thierry a encarou, a garganta fechando novamente. Aquilo era o que? Um convite para ele deixa-la voltar? Um convite para ele ir?

- Você aceita conhecer a nova Alice? - ela insistiu e ele aquiesceu.

- É tudo que eu quero.

- Thierry você é feliz?

- Finalmente sou, novamente sou. - respondeu enquanto a puxava para um abraço apertado.

Talvez os dois nunca reatassem o relacionamento. O mais provável era que isso acontecesse, afinal havia o passado e pesos que por mais que parecessem inexistentes naquele momento um dia poderiam voltar, mas ele já estava satisfeito só de saber que Alice não ia mais fugir, se esconder e deixá-lo de fora.

Escutaram uma batida na porta e Júlia colocou a cabeça para dentro. - Alguém estava te procurando, Alice. - comentou enquanto indicava Anastácia que estava esperando no corredor.

A garotinha entrou correndo e se lançou nos braços de Alice. Alice acariciou os cabelinhos dela e deixou que a pequena afundasse a cabeça em seu ombro.

- Mamãe - Anastácia começou hesitante. - Sono.

A cena fez com que o coração de Thierry se encolhesse em um punho. Alice com uma criança nos braços, Alice sendo mãe novamente.

- Vou colocar ela para dormir, Thierry. Melhor você descer e curtir a festa.

Ele olhou longamente para a cena.

- Você nunca conseguia fazer o Vinícius dormir de primeira, eu é que tinha este dom.

Allie ergueu uma sobrancelha.

- Não tenho culpa de não saber cantar cantigas de ninar.

Ele sorriu e estendeu os braços para pegar Anastácia.

- Pode deixar que eu vou enviar essa pequenina para o reino dos sonhos - garantiu com uma piscadela.

Alice ficou ao lado enquanto ele cantarolava para fazer Anastácia dormir. Era uma cena que tinham protagonizado milhares de vezes no passado e que, apesar de trazer lembranças agridoces de Vinícius, o alegrou grandemente. As mãos de Allie encontraram as dele e ambos olharam a menininha adormecer. Thierry esperava pelo futuro com ardor.

Ele poderia ter a amizade e a presença e o carinho de Alice. Ele poderia ter a voz através do telefone, a foto na rede social, o cheiro. Ele poderia ter Alice, o pensamento o surpreendeu por sua simplicidade e por sua força.

As vezes a única solução era deixar ir. Deixar ir para que a pessoa aprendesse novamente a sorrir e pudesse voltar. Daria trabalho conhecer a nova pessoa que Alice se tornou, mas isso era mais do que ele pensou que teria e isso era tudo que ele desejava naquele momento. Ansiava por conhecê-la, por entendê-la. Ansiava por saber que sua decisão, anos atrás, não destruira nada, apenas criara uma oportunidade para aquilo que sentiam se reconstruir, para Alice recompor seu sorriso e conseguir voltar para casa.

Fim!

Então Vá, Alice [Conto]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora