PRÓLOGO

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Meus cabelos flutuam ao vento. Uso um vestido longo e vermelho. Meus pés afundam na terra fofa. Inspiro o perfume das macieiras que povoam o bosque. Pássaros entoam suas melodias e empoleiram-se em árvores carregadas de frutos, e hora ou outra avisto uma lebre saltitando entre os arbustos. O sol saúda a terra, lançando seus feixes de luz por entre as folhagens.

Então ouço o estalar de uma folha seca. Crac.

Há algo no ar. Algo vil. Cruel. Sinto um peso em meu peito, e passos soam perto de mim.

Crac.

Olho para trás, mas não há ninguém. Espio por entre os galhos das árvores em volta à procura de um movimento qualquer. Nada.

Crac. Um galho se quebra. E eu corro.

Sinto suas passadas apressadas em meu encalço. Não ouso olhar e nem preciso, sei quem está me perseguindo e o que quer de mim. Levanto a bainha de minha saia e disparo em direção à alameda. Meus passos são frenéticos, mas leves, quase alçam voo, seguem o descompasso do meu coração. Avanço com todo o meu ímpeto, na esperança de encontrar alguém pelo caminho. Porém, me vejo completamente sozinha.

Nuvens escuras tomam o lugar do sol. Uma ventania fria me chicoteia. Centenas de aves negras sobrevoam o bosque, emitindo cantos tão agourentos que me dão calafrios. Preciso fugir. Não posso me permitir ser alcançada. Tenho que encontrar uma rota de fuga. Mas para onde eu iria?

Paro abruptamente, arfando. Estou esgotada. À minha frente, está o lago que circunda o castelo, suas águas refletindo o tom de chumbo do céu como um espelho. Ao longe, afiadas torres de pedra despontam sobre a colina. Corvos pairam sobre elas. Não há barco à vista. Não há escapatória.

Só me resta enfrentar. Tiro minha adaga da bainha presa em meu vestido e aponto-a na direção da silhueta escondida entre as árvores.

— Vá embora! — grito. — Nada disto é seu.

A silhueta nada responde, apenas aproxima-se lentamente. De onde estou, não consigo ver seu rosto. Mas sinto seu sorriso cruel, quase uma gargalhada silenciosa. Dou um passo para trás e busco maior distância entre mim e a sombra encoberta pelo bosque. A barra de meu vestido se enxarca. Meus dedos afundam na lama.

As Terras de Grimm. O pensamento vem a mim como um raio.

Não quero pensar nisso. Entretanto, não me resta escolha. Preciso proteger meu maior tesouro.

Os corvos ainda sobrevoam o lugar, seu grasnado cortante atravessando minha alma como a lâmina de uma espada. Vejo-a vindo, como um lobo prestes a abocanhar a presa, e percebo minha impotência. Se quiser salvá-los, tenho que correr.



Até a próxima sexta!

O destino de CinderelaWhere stories live. Discover now