- E não é exatamente isso o que está fazendo? - Pergunto com a sobrancelha arqueada.

- Correção, uma adolescentezinha estúpida e insolente. Mas eu vou consertar isso. Ah, se vou.

Ameaçadora você, hein, penso, mas mordo o lábio para não falar em voz alta, não estou disposta a discutir com uma mulher que pensa ser a Afrodite, a Rainha do Nilo, a perfeição na Terra. Ficar calada geralmente é o melhor remédio e, quando este não funciona, dê uma voadora. E é o segundo que eu tenho vontade de dar a ela.

- O patrão vai trazer suas roupas antigas até o final do dia e semana que vem você estará matriculada numa nova escola. Aproveite esse tempinho livre e ainda mais minha companhia.

Com certeza não vou aproveitar nem um nem outro, penso com amargura. Saímos do quarto, ela me mostra brevemente alguns cômodos e me guia até a sala de jantar. Parece um cômodo de um palácio, só que não tão extravagante, se é que isso pode fazer sentido. Sento e como em silêncio, mesmo tendo os olhos da reptiliana em mim, só não comparo com um animal porque o pobre animal não merece ser comparado com Stelly. Nem mesmo uma barata.

Algumas pessoas se tornam amigas por algum motivo sem explicação plausível, que eu chamo de "simpatia automática". Entre Stelly e eu, só pode ser "repulsa automática".

Não topei com Adam ainda, o que eu acho bom e ruim ao mesmo tempo. Bom porque eu não tive que lidar com sua raivinha do mundo, ruim porque, sério, quem ele acha que é para me mudar de escola, no meio do semestre, sem sequer falar comigo? Eu tenho amigos na antiga, bons amigos que eu sei que estão preocupados comigo.

Reúno coragem e peço para falar com Adam, a reptiliana sorri e me olha com desprezo.

- Adam é um homem ocupado, queridinha, realmente acha que ele tem tempo para gastar com você? - Bufo, irritada. O som nasalado da sua voz me irrita ainda mais. Aí está, repulsa automática.

- O que eu acho, Stelly, é que essa é obrigação dele. Eu pedi para morar aqui, ele não tinha que me acolher e já que ele o fez, o mínimo que ele tem que fazer por mim é me ouvir. - Ela pousou uma mão no peito, ofendida.

- Devia agradecer por estar aqui, garota!

- Eu não reclamei, só dei minha opinião. - Balbuciei.

- E você deveria dar essas opiniões a ele, não a mim. - Revirei os olhos e bufei, tentando não gritar com ela.

- E como você espera que eu faça isso se você se recusa a chamá-lo para mim, querida?

- Eu disse que ele é um homem ocupado! Ele está trabalhando agora mesmo, sua insolente!

- E é aí que eu me pergunto, Stelly, você tem algum retardo mental que te impede de simplesmente dizer "ele está trabalhando" de uma vez?

Ela me encara enfurecida e eu tento não sorrir satisfeita por isso. Um sorriso que duraria por pouco tempo, já que ela me pegou pelo braço e me arrastou de volta até o quarto assim que terminei de falar. Só me deixo ser levada assim porque já tive o suficiente dela por um dia inteiro, só que eu não imaginava que ela fosse me trancar aqui.

Mulherzinha revoltada!

Mais uma vez sozinha... suspiro, abrindo a porta de vidro para ficar na sacada e observar o lugar que mais parece uma pintura. A casa tem um muro de pedra bruta que eu, sinceramente, acho desnecessário. Não estamos em uma cidade, na realidade, no lugar omde Judas perdeu as botas e não existe possibilidade de alguém tentar invadir com a quantidade de guardas que tem aqui, então qual é o sentido de construir um maldito muro? Fico pensando nisso até me cansar e volto para o quarto. Só que eu não aguento mais ficar aqui! Fuço as gavetas do criado mudo e as da escrivaninha à procura da chave da porta, mas não a achei.

Pelo canto do olho, vejo a maçaneta prateada. Sei que é inútil, mas não custa tentar.

Testo a maçaneta e empurro a porta. Talvez Adrian tenha destrancado quando eu estava na sacada. Saio furtiva, tomando cuidado para não esbarrar com a reptiliana e exploro o lugar por mim mesma. Descubro que boa parte dos cômodos do andar de cima estão trancados, mas não acredito que tenha algo de mais, já que os que estão destrancados são quartos praticamente iguais ao meu, por isso desço as escadas quase como uma gata, fazendo o mínimo barulho possível. Vou até o hall de entrada e continuo a explorar a partir de lá. Tendo em mente o quanto esse lugar é longe do resto do mundo, é lógico que ninguém viria fazer uma visita, então quase não há empregados nessa área. Passo por uma sala de estar, de novo pela sala de jantar e estremeço ao passar despercebida pela cozinha.

É o mesmo lugar que vim no sonho. Exatamente igual.

Eu devo ter passado os olhos por aqui ontem e lembrei disso no sonho, é isso! Para que se preocupar por besteira, certo?

Depois de me acalmar, dirijo-me à primeira porta que vejo e abro. Pela sofisticação parece ser o escritório, saio dali, não há nada de interessante para ver, de qualquer maneira. Caminho até outra e giro a maçaneta, trancada, a próxima também está. Bufo irritada, mas não desisto. Entro num cômodo que faria qualquer geek babar. Televisão de plasma, um X-box, um Playstation, um home theather, vários jogos dispostos em prateleiras e uma imensa quantidade de DVD's de filmes antigos. Acho que vou me mudar para cá.

Ligo a televisão e descubro uma conta na Netflix. Apesar da tentação, não fico ali por muito tempo, sei que já é quase meio dia e que Stelly provavelmente vai ao meu quarto e surtar quando não me ver lá. Suspiro e tomo um fôlego antes de abrir a porta. Stelly está passando pelo corredor. Droga! Está se dirigindo à escada que eu já deveria ter subido.

Obrigada, minha sorte, já que agora preciso achar uma outra escada que me leve ao quarto! Por que, Deus, eu não investiguei o segundo andar inteiro? Corro e abro a primeira porta que vejo. É uma espécie de salão de festa, enorme, caberia minha antiga casa inteira aqui, mas o melhor ainda é que tem uma escada que se bifurca em certo ponto. Sem pensar direito, subo em direção ao lado que me parece mais perto dos quartos.

Sinto que meu coração parou de pulsar quando Adam brota na minha frente.

- Garota, não fui claro quando disse que você está proibida de pisar na Ala Oeste? - Recuo um passo e ele avança. - Responda!

Ele chega cada vez mais perto de mim e eu continuo me afastando. Qual é o problema com ele? Eu nunca pisei nessa mansão! Como ele espera que eu saiba onde diabos é a Ala Oeste?!

- Foi um erro, não era minha intenção vir aqui, descul...

Até eu pisar em falso num dos degraus. Um berro desesperado escapou da minha garganta enquanto meu corpo se desequilibra. Com uma rapidez impressionante, para se dizer o mínimo, Adam agarra minha cintura e me impede de cair, deixando-me praticamente colada a ele.

Solto o fôlego que nem sabia que estava segurando e ergo o rosto. O olhar de desprezo que recebo faz com que eu me retraia e quase que imediatamente me desvencilhe do seu abraço.

- Você chegou até aqui, encontre seu caminho de volta. - Adam diz numa voz sombria e naquele tom que se assemelha a um sussurro, que faz meu corpo estremecer.

Então ele simplesmente me dá as costas e sai.

Sombras da Luz (Pausada)Where stories live. Discover now