Prólogo

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10 Anos atrás

Era o último cigarro, prometia a si mesmo enquanto adentrava o espaço do jardim da casa de seus pais, atirando a beata ao chão e passando com a sapatilha gasta por cima desta. Cheirava a rosas, estavam na primavera e o hábito de jardinagem era um passatempo que a sua mãe cultivava desde sempre. Flores representam a vida, ela costumava dizer, o quanto são coloridas e belas mas ainda assim morrem cedo. Tal como a vida de um ser humano, por muito bonita e cheia de cor, poderia terminar num suspiro. Uma cirurgiã a falar como era óbvio.

Os dois estavam no alpendre feito de madeira e pintado de branco com trepadeiras verdes e enroladas por todo lado como uma cobertura de um bolo. Igor Dash era um homem forte, lábios escondidos nos bigodes fartos e um olhar verde gelado. Estava concentrado a ler The Economist com o mesmo ar de sempre de poucos amigos. Anabela servia o chá num conjunto de porcelana que pertencera a tataravó, se orgulhava tanto dele mais que o diploma de médica pendurado no quadro da grande sala da casa.

— Andou fumando? E esse cabelo e essa barba? — O pai embirrou, soltando perdigotos a medida em que falava. O desapontamento era visível nos olhos amargos.

— Igor meu bem, não estamos aqui para brigar. — A mulher intercedeu com um meio sorriso, era toda alta e magra, com umas mão firmes de quem estava habituada a passar horas e horas numa sala de cirurgia.

— E Constance? — Sentou e aceitou receber o maldito chá de família com gosto a xixi de gato. Fez uma careta, mas os pais insistiam em como era bom e saudável.

— É por essa razão que chamamos aqui você, meu filho. — Desta vez a senhora Dash olhou para o marido um tanto apreensiva ao falar. Os dois acenaram em concordância antes de prosseguir com o discurso. — Queremos acabar com essa rixa de família. Vamos esquecer o passado.

O jovem rebelde riu, afastando a chávena pequena que mais parecia de uma casa de bonecas. Sentiu o ar ameno lhe roçar o rosto, sentido de longe a presença de um futuro verão maravilhoso.

— Esse é um assunto ao qual prefiro não falar! — Deixou claro e olhou para o relógio de pulso, revelando o total desejo de partir daquele lugar. Odiava cada lembrança da infância vivida ali.

— Eu deserdei sua irmã — O pai foi breve como sempre. Aquele tom sempre neutro em explorar certos assuntos parecia ferver com a irritação do filho. — Você é meu único herdeiro agora.

— Credo — riu de um jeito zombeteiro e negou com a cabeça. — Estão a falar a sério? Chamaram-me aqui para dizer que deserdaram minha irmã mais velha? E única.

— Se acalme, Christian — pediu a mãe, a voz doce e com mais tato possível. Olhando para o marido em busca de aprovação para prosseguir. — Ela... gosta de mulheres.

— E?

— Como e? — O mais velho na mesa rosnou, achando impossível que não visse a gravidade da coisa. Sentia os espíritos de seus antepassados rebolarem nas tumbas.

— Não seria pior se gostasse de animais? — Retrucou cheio de graça. A verdade é que já sabia daquilo há muito tempo, e nem conseguiu disfarçar a falta de surpresa. — Só tenho a dizer que sinto muito, deserdaram a vossa única filha capaz de aguentar seguir os passos da família, afinal é a única a terminar pelo menos o curso de enfermagem.

— Como assim? — Igor se irritou. Podia ver a veia enorme na testa começar a pulsar sem parar. Atirou a revista para cima da mesa, num ato claro de raiva.

— Estou largando a medicina, pedi hoje equivalência para o curso de Psicologia — respondeu sem hesitar, tinha um grande sorriso no rosto bonito. Esse não durou muito, pois seu pai lhe atirou o amado bule de chá de porcelana contra a sua cara.

Uma Nova Cor [DEGUSTAÇÃO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora