— Parem! — Anabela levantou com as mãos para o ar, se colocando no meio dos dois. Não conseguia olhar para o filho já em pé, pronto para desafiar o pai, afinal já não era uma criança. Tinha vinte e um anos agora.

— Não percebo tamanha fúria. Afinal um psicólogo tem direito a uma sala e bata branca — O rosto estava molhado com o chá odiado, mas o impacto só foi forte quando o bule de chá caiu ao chão e se desfez em pedaços.

— Deixa de piadas seu infeliz! Nos desonram! — Gritou Igor. Tinha os olhos vermelhos injetados de raiva.

— Nem terminei de contar que seguirei pela Psicologia Organizacional. — Procurou o cigarro dentro dos bolsos, e tinha um leve tremor nas mãos. Acendeu na frente dos pais, causando ainda maior espanto. — Podem ficar com a vossa herança.

Levantou o cenho franzido e ainda se dignou a apanhar a outrora bela peça de porcelana, ou o que restava dela. Abandonou o recinto às passadas largas enquanto seus lábios insistiam em recitar impropérios nada dignos em memória dos pais que ficaram parados a vê-lo partir.

O telefone vibrou. O nome de Constance vibrava na tela.

Alô, Chris? Não sabe o que os seus pais fizeram! Meus cartões foram cancelados, minhas contas bancárias estão a zero. Vão parar de pagar a renda e de dar mesada. Eles descobriram! — Chorava do outro lado, arrancando um pedaço do coração do irmão querido.

— Não se preocupe, eu vou ajudar você. Prometo. — Tentou passar segurança com toda sua incerteza da vida. Ainda assim, sabia ser inteligente demais para falhar. Tinha entrado na universidade com dezasseis anos por alguma razão.

Eu odeio eles. Eu tenho o estágio agora, e eles tinham a referência. — Um insulto escapou do outro lado da linha, dirigido aos pais. — Bando de preconceituosos!

— Giovana Beauchamp é uma grande enfermeira. Ela lhe encaminhará o estágio, eu vou falar com o Damien. Tudo bem assim? E farei uma transferência para a tua conta corrente, não se preocupe. — Garantiu enquanto subia na moto, tinha o peito a bater com força, e precisava relaxar.

— Obrigada mano. Eu amo você.

— Eu também.

Desligou ainda com os pensamentos perdidos em algum lugar da sua cabeça. Sua infância desde sempre fora diferente de todas outras. Não podia brincar, correr dentro de casa, falar em voz alta. Eram obrigados a ler, e estudar quase por vinte e quatro horas. Constance e Chris tinham momentos divertidos, durante a noite quando um escapulia para o quarto do outro, e debaixo do lençol inventavam histórias sobre lugares onde as crianças podiam brincar e se sujar. Algo que não acontecia naquela casa.

Tinha dito a Lola, sua namorada, que chegaria mais tarde. Pensava que a reunião em casa dos pais fosse ser prolongada, e mais uma vez tinha sido um enganado. Usou o capacete e saiu a conduzir para longe do casarão, sentindo o quão bom era ser livre das amarras dos Dash. A família perfeita por gerações, mas que agora tinha maculado aquela com o nascimento de duas aberrações. Odiaram-no por namorar Lola, uma asiática e que mancharia a descendência de futuras gerações, mas agora parecia ser pior, uma vez que a irmã não correspondia aos padrões supostos da sociedade.

Christian comprou um ramo de flores junto a um rapaz que vendia num semáforo, e acelerou sorridente rumo ao seu destino. Ia fazer uma surpresa a sua amada, com quem dividia um simples apartamento num bairro no centro da cidade. Não queria pensar no absurdo que ouvira dos progenitores, só queria seguir sua vida em paz.

Abriu a porta num assobio, lutando para segurar o capacete para não cair. Ainda não era um jovem rico, mas sabia deter de capacidades para chegar lá sem precisar dos pais.

Uma Nova Cor [DEGUSTAÇÃO]Where stories live. Discover now