Capítulo XVII - O ritual

646 119 186
                                    

Alguém sacudia Berna. Ela abriu os olhos. Ainda estava amanhecendo. Na pouca claridade ela reconheceu sua irmã Una, que a chamava.

— Berna, papai quer te ver agora. Ele está lá na sala, com uns homens do clã Donnerstag — avisou Una, pressurosa.

Berna recebeu a notícia como se fosse um balde d'água na cabeça. Seu rosto não esboçou nenhuma expressão. Ela se ergueu e se vestiu, lenta e meticulosamente. A irmã observava Berna, achando que havia algo estranho em seu comportamento. Una ajudou-a a fazer a trança.

— Você é uma irmã maravilhosa, Una — Berna disse, virando-se para olhá-la quando estava à porta. — Eu te amo.

— Ah... eu também te amo — Una respondeu, desconcertada. Berna deu um sorriso triste e saiu. Passou pela cozinha, Ondina estava lá, preparando o café da manhã. Berna abraçou-a pela cintura.

— Ah, já acordou, filha? — Ondina sorriu e ofereceu um bolo de trigo para ela.

— Obrigada — Berna pegou o pão e saboreou-o demoradamente. — Eu amo a senhora, sabia? — o rosto de Ondina congestionou-se e ela acariciou os cabelos da filha.

— Também te amo, minha pequena — ela respondeu, emocionada.

A moça saiu dali e entrou, sem pressa nenhuma, na sala. Ignorando inicialmente os Donnerstag, ela dirigiu-se ao pai e beijou seu rosto.

— Bom dia, papai — murmurou, olhando fundo nos olhos do chefe. — Eu te amo — Heric sorriu e beijou-a na testa.

— Minha bétula...

Após essa ceninha sentimental, o ambiente se transformou de imediato numa sala de negociações. Berna cumprimentou os Donnerstag com um aceno de cabeça e ficou ao lado da cadeira do pai, de olhos baixos.

— Mandei te chamar, filha, porque os Donnerstag querem saber se podem preparar para amanhã a cerimônia do seu casamento.

Houve um silêncio tenso na sala.

— Não — Berna disse, por fim. — Eu mantenho minha decisão. Não tenho a menor intenção de desposar Beowulf Donnerstag.

— Tem certeza?

Berna não olhou para cima, mas reconheceu a voz de Hati, que tinha um tom bem ameaçador.

— Tenho. Não volto atrás na minha palavra.

— Heric Von Brandeburg, tenho algo a comunicar a respeito dessa sua filha, mas só o farei numa audiência pública — Hati se ergueu. Heric empalidecera. — Mande os bardos chamarem todos os habitantes da aldeia, mandarem-nos comparecer à praça três horas antes do meio do dia.

— Isso é um assunto de família, Hati — Heric protestou, levantando-se — Não há motivo para discuti-lo em praça pública.

— Você vai descobrir que há — e os Donnerstag se retiraram, deixando um clima tenso no ar. Heric foi à taba dos bardos, preocupado. Nem todos estavam presentes; Rincewald e Bjorn não foram encontrados, mas o restante deu conta do recado. Berna tinha agora algumas horas de folga. Hesitou entre despedir-se dos amigos ou passá-las orando, mas acabou se decidindo pela segunda opção.

O momento crítico chegou. Todos os clãs se amontoavam, homens ou mulheres, livres ou escravos. Heric estava sendo carregado sobre um escudo. No meio da praça, a família do chefe e o restante do clã Brandeburg. Em frente a eles, o clã Donnerstag. Hati Donnerstag tomou a palavra.

— Muitas desgraças têm acontecido na nossa aldeia, apesar da aparente calmaria dos três últimos dias. Estamos despojados de muitos amigos, familiares e nobres guerreiros. Fossem desgraças humanamente controláveis e poderíamos culpar o chefe — ele fitou Heric e fez uma pausa de efeito. Então olhou em volta — Mas será que um homem pode ser responsabilizado pelo desvio de conduta de sua filha? — todos olharam para Berna, Una e Kyrah, que estavam perto do pai. — Alguém enfureceu os deuses, meus amigos, e eu posso lhes dizer quem foi: Berna Von Brandeburg!

Uma História Bárbara [DEGUSTAÇÃO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora