Capítulo Dezessete

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239. Foi tudo que ela escreveu num pedaço de papel.

Para ser exata, se passaram pouco mais de sete meses desde que o pai de Charlotte foi levado para a casa. Desde que a vida dela ficara de cabeça pra baixo. Sua mãe terminara de trançar seu cabelo, mechas negras ligadas uma à outra ao redor de sua cabeça formando uma coroa.

Era notável a mudança no olhar de ambas, ao se olharem no espelho podiam ver mais claramente, por isso, tanto Charlie quanto Eileen desviavam seus olhares do espelho para outros pontos, como o chão ou uma teia de aranha no teto. Eileen estava abatida, haviam manchas escuras e fundas abaixo de seus olhos, sinal da insônia, e estava mais magra do que há meses atrás, seu olhar que um dia já fora tranquilo, agora tinha um ar tão triste quanto o mais miserável menido. Suas mãos tremiam levemente enquanto colocava pequenas presilhas no cabelo de Charlotte e seus lábios permaneciam numa careta triste.

Charlotte mudara, mas não tanto quanto a mãe, certamente não fora tão afetada, já que a mãe tivera que trabalhar o dobro e muitas vezes deixara de comer. A ausência de Darius era visível não só pelo silêncio instalado na nova casa interrompido raramente pelo pequeno Jack, mas também em cada jantar, em cada pequeno momento, que por mais que tentassem não era tão feliz como deveria ser, à menos se ele estivesse presente.

Ele não está aqui, e não vai voltar. Ela escreveu novamente na beirada do papel.

Sua mãe se afastou sem emitir som algum, Charlotte levantou seus olhos para o espelho tempo suficiente para ver que ela entrava no quarto de Jack. Seus olhos continuaram a encarar seu reflexo. Uma menina sentada em frente ao mesmo, usando um vestido azul feito por sua mãe, com o cabelo negro trançado, o rosto um pouco mais magro e abatido, mãos frias segurando uma caneta sobre um pedaço de papel, lábios em uma linha reta. Ela respirou fundo. Os olhos negros demonstravam a tempestade que se encontrava seu temperamento, a mente complicada cheia de pensamentos avulsos.

A menina se pôs de pé diante ao espelho levando a mão ao cabelo ajeitando alguns fios ralos que lhe caiam sobre os ombros. Afastou-se do banco em frente ao espelho na sala/cozinha, um pequeno cômodo, menor do que o da casa anterior, onde cozinha e sala ocupavam o mesmo espaço, separadas apenas pelo sofá velho que ocupava grande parte do espaço. Jack estava sentado em uma das cadeiras que havia arrastado para perto do sofá, balançava os pés que mal encostavam o chão, até que viu Charlie e saltou da cadeira com um sorriso, covinhas à mostra.

Ela alimentara durante todo esse tempo a mentira de que seu pai ajudava em outra comunidade, quer dizer, depois de tanto tempo já havia passado por duas ou três comunidades que precisavam de ajuda. Era essa a história que fazia o pequeno Jack continuar o mesmo diante a tantas mudanças. Ele era a salvação de Charlotte, a luz na escuridão, a alegria em meio a tanta tristeza.

- Steve vai mesmo ser um guarda, Charlie? – O menino de cabelo arrepiado perguntou.

- Vai sim, Jack, já te expliquei tudo isso. – Charlotte disse, sua voz um pouco mais baixa do que gostaria. – Hoje ele se forma no colégio, e se torna um guarda oficialmente, junto com outros garotos.

- E isso é bom? – Jack perguntou.

- Sim, para ele é. – Charlie caminhou para fora de casa com o pequeno, seguidos por sua mãe.

Não concordara com aquilo de imediato. Steve se tornando o que ela mais repugnava. Porém, aquilo significava poder ter melhores condições, e ele insistia em dizer que não se tornaria um daqueles guardas. Charlotte podia negar, mas, no fundo ela ainda tinha um certo receio. 

Chegaram ao colégio com algum tempo de antecedência, algumas pessoas entravam de maneira ordeira, mas eram poucas, pois pouquíssimos alunos se formavam hoje, um número não muito maior que 9. As pessoas não estavam vestidas extravagantemente, não como você espera que se vá à uma formatura, usavam roupas simples, retalhos, restos, mas era assim, as coisas boas iam para outro lugar.

A Menina da ConspiraçãoWhere stories live. Discover now