II

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— Por que ele deveria estar morto, meritíssimo? – Perguntou Europa.
Não obteve resposta. O juiz parecia esperar por algo que o atrapalhasse, retardara sua fala ao máximo. Olhara ao seu redor, fitando cada um dos presentes, a porta da grande sala se mantinha fechada. Então voltou-se a Europa, respirou duas vezes e ao final de sua respiração ele, por um instante, achou que Deus existia. Suas preces foram ouvidas?

— Senhor! Senhor! – Como se atrevera... – Preciso de um minuto. – Eu não sabia quem era, parecia um mero cidadão, um simplório. Este entrou correndo pela porta dupla que se mantinha fechada e foi em direção ao juiz. Ouviu-se um espanto coletivo assim que ele entrara gritando, mas ninguém reagiu. O que poderia fazer aquele cidadão? Aquele cujas vestes não eram apropriadas ao local, a um júri. Com certeza o juiz não daria a mínima atenção, porém, não foi isso o que aconteceu.
— Acalme-se, senhor. – O juiz era alguém de nobre humildade, pelo que se vira. Tratou-o como um igual, ao menos na primeira frase. – Venha até mim.
Eu menti quando disse que não sabia quem era o cidadão... sinceramente, sei muito bem. Ele é uma espécie de assistente, usando um termo mais polido, do tal juiz. O meritíssimo era um homem educado e que não gostava de alardes, com certeza aquela entrada não o agradou. Com certeza o seu assistente sabia que ele não aprovaria tal cena. O motivo deve ser uma grande urgência, algo grave acontecera. Era certo.
O homem foi até o juiz e recuperou o fôlego. O excelentíssimo parecia extremamente ansioso, ordenando-o em tom baixo que dissesse logo qualquer que seja a coisa que viera dizer. O homem respirou, curvou-se em direção à face do juiz, que estava sentado em sua poltrona, aproximando-se de seu ouvido disse:
— O homem... de Vigo... – continuou... – fugiu! – Respirou e metralhou as palavras. – Ele sumiu, eu não pude fazer nada, nem eu nem ninguém. Ele estava preso às correntes, não havia como sair, alguém deve ter o ajudado. Ele estava muito bem preso!
Eu acho que as coisas não prosseguirão bem de agora em diante, alguém poderá ser degolado, e não falo de Europa. Embora eu adoraria vê-la face a face com a morte.
Eu não sei onde ele está, mas já mandei buscarem-no. – Ele tentava se desculpar, havia medo em seus olhos. Pode-se perceber muita coisa apenas com a feição de um homem. Sua respiração se acalmou e ele estranhou a reação do seu patrão. – O senhor não está surpreso? Por que sorri?
— Você tem a certeza de que o manteve suficientemente preso? De que ele não tinha como se soltar?
— É claro que tenho, senhor! – Afirmou com veemência o homem. – Eu mesmo tranquei os cadeados, não havia como ele sair caso não tivesse forças sobre-humanas.
— Quanto tempo faz que ele fugiu? – Replicou o juiz, ele desconfiava de qualquer um que tivesse envolvido naquele caso. Por dentro ele não podia pensar em outra coisa... "de Vigo escapou. de Vigo escapou.". Um martelo em sua cabeça.
— Poucas horas, talvez nem duas horas. Assim que fui à cela e vi que ele não estava lá, eu vim correndo até aqui. Para te contar. – Respirou. – Senhor, já pus homens atrás dele, ele não está muito longe, ainda hoje o encontraremos, garanto.
— Vire-se! – Ordenou o juiz, em tom furioso. O empregado não entendeu. – Vire-se e olhe o que há atrás de si! – Repetiu, alto e claro o suficiente. Todos ouviram.
O empregado virou-se, mesmo sem entender o motivo, lentamente. Procurou com os olhos algo que se destacasse, o algo que ele deveria ver. E ele o viu. Entendeu. Gaguejou para si mesmo "de Vi... de Vigo...". Olhos grandes de quem teme a realidade que vê.

. . .

E eu permito. A partir de hoje permito. Tudo o que eu posso te afirmar é que agora é possível...
— Eu nunca entendo o que diz... – disse ela. – Você me soa confuso e inapropriado.
— Quantas vezes mais terei de lhe explicar? Estou ficando irritado.
Mas é sempre assim, os ânimos se agitam, eles quebram algumas taças tchecas, ele vai até a varanda, respira. Acalma-se. Arrepende-se. Volta à cama cansado, passou-se muito tempo desde que se olharam.
— Você demorou... – ela disse... – fiquei com medo de ser a última vez.
— Não deixarei haver uma última vez... – ele suspirou e prosseguiu. – Nunca haverá uma última vez.
O coração dele estava pulsando rapidamente, a sensação de querer vomitar findou-se. Ele sempre sentia isso quando as vozes se exaltavam e depois se emudeciam, nunca era um bom sinal. Mas o trato era este: brigavam e ao cessarem os gritos marcavam a próxima briga. Era um bom método para sempre estarem juntos. A casa deles parecia não fazer parte da rotação da Terra, estava sempre deslocada do mundo. O que acontecia lá dentro não tinha qualquer influência do mundo como era. Nunca receberam visitas e poucas pessoas sabiam que aquele endereço pertencia ao casal. Ele tinha vinte e cinco anos e ela vinte e três. Passou-se quarenta anos. Ele continuou com vinte e cinco e ela com vinte e três. Nada mudara e nem mudará.
— Você me ama?
— Não. E você?
— Também não.
— Posso te abraçar?
— Tenha cuidado.
— Sempre tenho.
— Eu sei...
Dormiram...

EuropaWhere stories live. Discover now