Capítulo 33

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Entre abraços, beijos, carícias – nada inocentes, devo ressaltar –, nós tentávamos matar a saudade. Uma saudade aterradora, que se expandia a cada toque. Quem se apaixonou alguma vez na vida, entende do que estou falando. É um sentimento além de compreensão humana. É uma conexão espiritual inexplicável.

O universo conspira contra nós e ao mesmo tempo nos atrai. Era impossível desvencilhar-me do seu perfume, das suas mãos enlaçando o meu pescoço para mais um beijo ansioso, ofegante, cheio de dúvidas.

Andávamos sempre na corda bamba, em uma linha muito tênue do tudo ou nada. O copo ameaçava transbordar, mas de fato nunca transbordava. Nosso caos tinha um quê de poesia, mesmo nas horas mais incertas e devastadoras.

A lua cheia preenchia nossos vazios, somavam as certezas, mas deixava alguns rastros de insegurança. Nosso futuro era tão imprevisível. Nós só tínhamos o presente e nos agarrávamos a ele desesperadamente. Cada segundo – ao menos para mim – era gravado sem pausas, era apavorante perder algum detalhe.

Eu encarava seus magníficos olhos cintilantes e me perdia na imensidão de cores que suas emoções representavam. Pela primeira vez na vida, senti como se tivesse tomado um tiro no peito. Uma angústia grande tomou conta do meu ser. Deus, porque eu não podia ficar com essa mulher? Eu a desejava como nunca. Ter seu corpo ali não era o suficiente, mesmo com as promessas silenciosas que pairavam entre nós.

Aquilo devia significar algo, certo? Uma mulher não te encosta na parede à toa e sussurra loucuras no seu ouvido. Muito menos geme seu nome ou estremece o corpo a cada contato, por mais ínfimo que seja.

Ler mentes seria uma boa agora. Não consigo decifrar seus sentimentos, justo eu a pessoa mais sensível da face da terra. Justo eu que sempre soube como agir, exceto com a Agatha. Adorava pontuar as coisas, colocar reticências, vírgulas e brincar com o destino – e olha que não estou falando de livros!

Acredito que todos nós temos um amor devastador em nossas vidas, nem que seja uma única vez. Aquela pessoa que amplia o seu mundo, potencializa o lado simples da vida, destrói e te reconstrói infinitamente. E você nem liga, sabe? Quero dizer, a dor está sempre lá, mas esse amor te faz tão bem que encobre qualquer mal. Você até se sente mais jovem, mais madura, mais capaz. Porque todo esse lance te faz se reinventar, seja na frente do espelho ou para você mesmo.

Só que nem tudo são flores, não é mesmo? Porque existem fatores externos e eles raramente são transponíveis. Tem que ter fibra para aguentar as intemperes da vida. Jogo de cintura para dançar conforme a música. Equilíbrio para que todas os âmbitos da sua vida não desmoronem. Tem que ter força para encarar esse sentimento novo, cheio de raízes. Porque ao contrário do que muitos pensam por aí, ser feliz dá um medo danado. Ainda mais quando você já passou por poucas e boas. Você meio que se acostuma com a escuridão extensa durante todo o percurso de tal forma que qualquer brechinha de luz se torna ofensiva, anormal.

No meu caso, estava em estado pânico completo. Tremendo na base, literalmente. Minhas pernas pareciam mais fracas do que o habitual. A carga sobre meus ombros parecia cada vez mais farta. E, acometida por todos esses pensamentos, tive vontade de chorar ali mesmo. Agarrar meus joelhos e sumir por uns dois dias, uma semana, sei lá.

Ninguém sentiria minha falta, não é mesmo? Agatha tinha o noivo, mal ou bem. Tinha família, tinha amigos, tinha uma vida "perfeita" a zelar. Para variar eu estava estragando tudo isso, tropeçando, fazendo tudo errado. Ok, ela tem culpa no cartório. Mas que a verdade seja dita: eu sacudi a vida da menina. Passei feito um furacão. Quais foram os saldos disso tudo? Positivos ou negativos? Depende do ponto de vista.

Quero dizer, como seriam as coisas depois desse turbilhão? Encarar sua família? A sociedade num contexto geral? Como se não bastasse, ela ainda teria que lidar com as minhas feridas sempre expostas. Ela parecia uma garota tão bacana, daquelas que não merecem uma pessoa tão fodida pelo mundo. Ah, eu tinha várias inseguranças, inúmeras cicatrizes, Agatha não saberia lidar com todas elas, ela nem merece isso, entende? Acho que ninguém merece. Não depois de tudo que passamos.

Alcateia (Romance Lésbico)Dove le storie prendono vita. Scoprilo ora