Olhar crônico

Não te quero mais

Uma coisa você tem que combinar comigo, você escolheu partir. Eu não fui avisada, não fui consultada, não me preparei para te deixar ir, mas a escolha não era minha.

E como diz aquele velho ditado "quem muito se ausenta uma hora deixa de fazer falta", acostumei a me virar sozinha, a esquentar pouca água para o café, a ler em silêncio até cair no sono, a dormir abraçada ao travesseiro. Aos poucos fui percebendo que você não era insubstituível, que era interessante a sensação de liberdade, que vergonha na cara e amor próprio faz a gente ficar até mais bonita.

O relógio andou, me dei outras chances, me permiti novas experiências e parei de me punir pelos seus erros. É a vida que segue, e eu segui. Superei. Só eu sei o quão difícil foi ser deixada pra trás, então não vem querer voltar o tempo e me atrasar novamente.

A minha porta que sempre esteve aberta, tranquei. Você demorou a perceber que eu não estou mais disponível às suas vontades, não sou mais válvula de escape para suas carências, não quero ser alimento para teu ego.

Não adianta me ligar de madrugada pra contar um sonho fajuto tentando ressuscitar minhas esperanças. Esquece meu número quando a tua carência bater, "esse número encontra-se desligado ou fora da área de cobertura" foi o que eu ouvi quando precisei de você. Não vem narrar lembranças de momentos bons que vivemos, porque aquilo está no passado, assim como nós dois.

Não invente saudades nem desejos alucinados como desculpas para querer me ver outra vez. Não me faça promessas que sabemos que você não pretende cumprir. Não encha a boca para falar de um amor que você nunca sentiu. Não me queira por agora. Cansei de tanta inconstância, de vontades repentinas, de ser a escolha da vez. Se você só estiver disposto a me tirar da prateleira e folhear algumas páginas, então nem precisa se dar ao trabalho, deixa lá mesmo acumulando poeira, uma hora alguém aparece e encara o desafio de me ler por inteira e decifrar meus contextos.

Não me acuse de fria, de egoísta, nem estranhe o meu sumiço. Você me deixou sozinha, procurei um novo abrigo. Não estranhe o meu sorriso diferente, mais largo, mais calmo, mais espontâneo, é um sorriso de reciprocidade, felicidade mesmo, por não ter que mendigar olhares de ninguém.

Eu sei que teu convite de última hora não é por saudade repentina, é por falta de opção. É realmente um alívio sentir que as borboletas do meu estômago já pousaram e que eu consigo te dizer "não".

Eu não me adapto com meias verdades, com meios termos, com meios amores. Você nunca se permitiu ser inteiro, nunca quis nada completo. Então não vem bagunçar minha rotina e meus progressos. Você só quer me roubar uns momentos, não me faz perder mais tempo, não me pede pra viver de mentira, pra me acostumar com incertezas, pra não fazer planos para o futuro. Deixa alguém chegar, alguém disposto a me oferecer um banquete, eu não aguento mais catar tuas migalhas.

Sabemos que você não quer ficar, então vai, do mesmo jeito que você já foi. É engraçado como as coisas mudam com o tempo, você tanto fez, que agora tanto faz.