Umbral

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 Copyright 2017© Danka Maia

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Nenhuma parte dessa publicação poderá ser reproduzida, seja por meio eletrônico, mecânico, fotocópia ou qualquer tipo sem prévia autorização por escrito da autora. Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, lugares e acontecimentos é mera coincidência.

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Istvan...


Basta uma ligação. Basta uma frase para o seu mundo desabar sem que você tenha tido tempo sequer para piscar. Eu sorria mais uma vez sentindo o perfume da carta daquele dia quando o meu celular tocou e a minha vida acabou.

Não sei quanto tempo permaneci ali com aquele policial falando algo no meu ouvido enquanto meus pés caminhavam para o meio daquele matagal com aquelas fitas amarelas da perícia por todos os lados e o seu corpo debaixo daquele plástico preto e sobre a terra fria. Um calafrio me envolveu nesse momento só de imaginar que ali pudesse estar a razão da minha vida. Ninguém jamais me ensinou como viver sem conjugar o verbo existir. De repente meus pés estavam diante do corpo. Eu deveria reconhecê-la, mas apenas precisei levantar a ponta inferior do saco preto para me deparar com o tênis também queimado assim como todo corpo para saber que a minha filha de dezessete anos havia sido brutalmente assassinada depois de ser estuprada por dois vagabundos que não satisfeitos com as inúmeras pauladas em sua cabeça tentaram atear fogo em seu corpo dentro do carro. Só depois da tentativa frustrada resolveram largá-la no frio e ao relento até que um menino que passava para apanhar sua pipa presa numa das árvores avistasse o cadáver.

— Senhor... Sei que é um momento muito difícil como pai.

— É a minha filha policial.

— Mas ainda não viu o rosto.

— Não precisa, esse tênis foi o que eu escolhi para que ela saísse. Tivemos uma briga por ele sabia? Eu queria esse e ela o surrado laranja que eu vivo dizendo que já anda sozinho de tanto usá-lo.

— Senhor... Eu sinto muito.

Apenas olhei para ele acenando a cabeça. O que mais eu poderia dizer. Lorenza transpirava vida. Mataram a milha filha por causa de um maldito celular. Não satisfeitos, bateram na cabeça dela com uma barra de ferro. Não satisfeitos porque ela gritava por socorro, jogaram-na dentro do carro de qualquer jeito. Não satisfeitos estupraram a minha garotinha, então apanharam a gasolina do carro e atearam fogo com ela dentro do veículo sabendo que ela ainda estava viva.

Nem sei como me tiraram daquela cena. Não sei como fui parar na delegacia. Não sei como contei o que o delegado precisava saber. Eu estava no modo automático eu só fazia porque minha sede era olhar nos olhos daqueles homens e antes de matá-los perguntar por qual razão tanta atrocidade. O que minha Lorenza fez contra eles para receber tanta dor.

Do seu funeral eu só me recordo da foto em cima do caixão que teve que ser lacrado. Nem mesmo pude ver o rosto da minha menina por uma última vez. Sei que muitas bocas me falaram coisas, muitas mãos afagaram meus ombros assim como muitos braços me cercaram. Mas desde aquele instante que vi o tênis da minha garotinha o gosto tornou-se insosso, os ouvidos surdos e meu coração oco. Naquele dia dezesseis de agosto de dois mil e quinze o meu martírio começou. Eu era mais uma alma no umbral.

Entre Quatro Paredes e Nada Mais LIVRO (Degustação)Where stories live. Discover now