MUNDO DIÁRIO - TERCEIRA EDIÇÃO APÓS O DESPERTAR

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Diário de Alice
Domingo, 17 de janeiro
O Domingo Silencioso

Hoje acordamos ao nascer do sol, como todos os dias desde o Despertar. Não sei o que aconteceu durante a noite, mas de repente, nos levantamos da cama e trocamos de roupa para sair. Não eram nem seis horas da manhã e já estávamos todos na rua.

E quando eu digo todos, é todos mesmo. Vizinhos. Vizinhos dos vizinhos. Subimos a rua e chegamos à avenida. Cheia de gente.

Mas, o mais impressionante era o silêncio.

Ninguém falava nada. Ninguém dava rela nas crianças para ficarem quietas - elas já estavam assim. E ninguém pegou nem transporte público, mas todo mundo sabia para onde ir.

Caramba, quando eu cheguei na avenida, sem carros, só gente andando, muita gente e a cada saída mais gente entrava na avenida, eu fiquei com vontade de ver televisão para ver de cima tudo aquilo.

Até olhei para cima e vi alguns helicópteros sobrevoando a cidade. Mas então, a vontade passou. Simples assim. Não sei explicar, só sei que na hora eu percebi que era desnecessário. O que estávamos fazendo era muito  mais importante.

Estávamos chegando no bairro da escola. Dessa vez, a rua estava apinhada. Não tinha ninguém nas janelas olhando, porque todo mundo estava na rua. Em silêncio, o que deveria ser assustador. E caminhamos.

A Anna chegou e se juntou à minha família, junto com sua família. Não nos falamos. Não precisávamos quebrar o silêncio apenas para amenidades. Aquele momento era único.

Estávamos sendo impulsionados a caminhar, todos numa mesma direção. Por um instante, no início, eu fiquei sem saber para onde estávamos indo, mas depois, no caminho, percebi. Era para o centro da cidade. Mais do que isso. Fechamos todas as ruas - como eu disse, todo mundo estava nas ruas - do centro e nos aproximamos do lugar mais importante: a Prefeitura.

E totalmente em silêncio.

Não sei como eu sabia. Mas todos nós sabíamos que aquilo não acontecia somente em minha cidade, mas em todas as cidades do país. Nós simplesmente sabíamos. E ficamos lá, a manhã inteira, em silêncio, diante das Prefeituras das cidades, olhando para os prédios do poder público, de pé, sem nos movermos.

Radialistas, jornalistas, todo mundo quis vir nos entrevistar. Procuravam, falavam, faziam perguntas, sacudiam alguns pelo braço, mas ninguém nem sequer virava o olhar para eles. Todos os olhos estavam voltados para o prédio público diante do qual estávamos. Era algo que nos impelia. Era como se nossos silêncios em massa falassem muito mais alto do que nossos gritos e nossas palavras.

A manhã passou.

O prefeito e alguns assessores apareceram, tentaram falar conosco, mas não adiantou. O tempo de falar havia passado. Eles tentaram encontrar algum líder, alguém que coordenasse essas ações, mas não havia ninguém. Nada era organizado previamente. Não havia nada nas redes sociais, na internet, absolutamente, que indicasse que havíamos nos comunicado e marcado aquele evento silencioso para aquele dia e aquele momento.  O check-in de todo mundo nas redes datava de antes do Reveillon. Ninguém havia se conectado, ligado a TV, lido o jornal. Já se passaram dezessete dias, e sabíamos que os governos de todo o país estavam preocupados.

A tarde chegou.

E caiu.

E chegou a noite.

E começamos a andar no sentido contrário, em silêncio, voltando para nossas casas. Sem dizer uma palavra. Os jornalistas estavam enlouquecidos. Ninguém explicava o que estava acontecendo, mas o medo daquela enorme massa popular caminhando silenciosa e do seu poder latente era aterrador. Nós sabíamos disso. E essa era a razão daquela caminhada silenciosa.

Amendrontá-los.

Porque o tempo havia chegado.

O tempo de falar havia terminado.

O Silêncio de AliceWhere stories live. Discover now