Introdução

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ESTHER
UM VÔO SEM ASAS

Havia alguém atrás das cortinas a espreita com dentes rangendo enquanto o sol se põe.
Havia círculos montados de calor e de ansiedade embaixo dos olhos concentrados.
Havia um mundo sobre escombros das belezas que ninguém herda.
Havia medo mais repentino que antes não houvera em qualquer peito sombrio.
Havia luz, então que venham as trevas.

Livro Dedicado a Esther Neves. A Quem devo Bastante.

PREFÁCIO

A porta atrás da escrivaninha ficava trancada o tempo todo,havia uma chave guardada dentro de um pote de doces que eles chamavam de prazer. Eu chamava de segredo. Mas um segredo só é um segredo quando contado a alguém,mesmo que por estranho possa ser,eu não tinha nenhum,a não ser que inventasse que tinha para todo mundo ficar pensando,qual será? O mistério atrai mais que a beleza. Eu vivia me escondendo tentando me mostrar e ninguém via,as suspeitas que eu andava pela casa a noite rondando o pote era verdadeira. Havia dias que não me concentrava em nada a não ser a chave. Então um dia vi eles rindo baixinho e pondo ela lá dentro do pote,eu me senti enérgica e sem medo,mas ansiosa por toca-la. Esperei uma semana inteira para decorar o pote e poder acha-la. Depois de tanto tempo finalmente consegui encontra-la no meio de tanto doce,eu ficaria tentada a come-los se não houvesse algo maior me devorando primeiro. A chave era feita de bronze muito bem conservada e muito bem desenhada com a ponta feita em formato de flecha,com certeza foi feita por encomenda para aquele tipo de cofre. Então segurei a com minhas mãos que agora tremiam de nervosismo,ouvi alguém se aproximando,ou era minha imaginação pregando peças? Não sei,não consegui recuar diante a tamanha vontade de saber o que havia lá. Rolei a chave a dentro da fechadura e ela entrou deslizando suave e se encaixou. O cofre era grande ,maior que eu e tinha desenhos complexos rodiando a sua borda,magnífico e intrigante. A chave rodou e se ouviu um estalo seco de ferro sendo chocado e a porta deu uma leve abertura. meus olhos vidrados concentrando-se na porta então a abri,mas tava muito escuro,Então os passos que pensava ter imaginado se tornaram mais fortes e quando dei por mim eles já estavam gritando e o homem mandou a mulher não deixar que ela saísse. Me pôs pra longe do cofre e mandou fechar os olhos e não ver nada. implorando para que eu não olhasse. mas eu não consegui,o mistério me atrai mais que a beleza. Não deu tempo da mulher trancar o cofre novamente,algo estava saindo de lá,algo se movia,era uma pessoa.
- Não olhe pra ela,por favor feche os olhos querida. por favor não olhe. Repetia o homem várias vezes tentando por as mãos em meus olhos. A mulher queria ir até la e empurrar qualquer coisa para dentro daquele cofre,mas parecia ter mais medo do que eu,só ouvi uma palavra de sua boca...
- Merda!
Depois disso ela saiu,era uma pessoa,era uma garota.estava amarrada com uma roupa que a prendia os braços,o cheiro que vinha dela não era agradável. Então a mulher começou a chorar e a pedir a deus perdão por seus atos,algo se estalou como se tivesse se rasgando,a mulher caiu no chão e o homem não a olhou. apenas deu um beijo em minha testa e sussurrou :
- Quando eu falar corra,você vai sair por aquela porta e vai correr o mais longe possível promete?
Eu não estava prestando muita atenção nele mais concordei. Então ouve outro estalo e a roupa da garota se rasgou. O homem disse: - corra!!! Então corri. O homem correu,mas em direção a garota. Eu fui correndo até a porta mais parei,desse ângulo dava pra ver melhor,então vi o seu rosto e entendi porque haviam trancado aquilo,Então corri e não olhei para trás,depois disso só houve gritos. Então parei no meio da rua e olhei para lá onde tinha vindo. O segredo era que....bom. A garota....A garota era eu.

CAPÍTULO I

Sexta-feira 12 de Março de 1997.

Mamãe dizia que meninas como eu deviam deixar os homens loucos,porque meninas como eu não ligam para homens que só veem beleza ao invés de conteúdo. Minha mãe falava coisas que me deixava envergonhada,coisas sobre garotos no tempo da faculdade,coisas sobre ela é papai,não sei porque me contava,eu nem me preocupava com isso. As minhas preocupações eram somente comer e dormir e o resto do mundo podia ir se danar. Eu não sei se iria viver muito,por conta do meu jeito rude de tratar as pessoas,não tenho culpa dela serem idiotas e vazias,ou eu ser idiota e vazia e botar culpa neles. Na escola era um inferno,eu não falava com ninguém,a não ser Josh um menino idiota que insiste em dizer que vai casar comigo e ter filhos Ele sabe que não quero isso. Ele é tão bobo,faz piadas ridículas pra me fazer sorrir quando tô puta da vida com tanta merda que acontece nesse mundo sedento de amor.
As aulas eram chatas como um palhaço sem graça com piadas repetidas,nunca entendi bem o que a senhorita Monroe dizia,era sempre algo enriquecedor demais,algo pra mudar nossas vidas. Pessoas como a Srt Monroe me faziam odiar crescer. Eu tinha tudo sobre controle na minha vida a não ser o que ninguém tem controle. É chato entender a vida quando os outros só querem vivê-la.
O lápis batendo no cadeira,em ritmos frenéticos imitando o som de uma música do Queen. As vezes eu sinto que se eu morresse agora não faria falta a ninguém.era só continuar,arrume alguém para bater o lápis na cadeira e continuem,diria um diretor em meus pensamentos. 16:55 faltam cincos minutos pra acabar a aula.mais um dia chato na vida chata da chatisse que não é mais chata porque tudo tem limite nessa vida. O despertador de classe soou e as pessoas saíram correndo como se tivessem ou fossem perder algo incrível que passava na tv.mas não era nada,nada de interessante acontece nesse pedaço de mundo de prédios e de gente apressada. Eu estaria em casa agora se não fosse por Josh ter me pego a mão e dito que ia me levar pra comer. Eu odiava quando ele sabia mais de mim do que eu mesmo.
- Eu tenho que ir John,ainda tenho tanta coisa pra fazer em casa.
Gostava do jeito que ele me olhava,não era igual às outras que me viam como apenas uma garota que gosta de rock e faz cultos satânicos enquanto a mãe leva a pobre alma a igreja pra que deus a perdoe e talvez não precise-a levar a um psicólogo ou interna-la. Não sei como ele fazia com que eu me sentisse tão eu mesma,acho que só ele fazia.
- Você? que coisas? tipo ajudar sua mãe a fazer panquecas?
Depois riu mordendo a borda do copo e pegou na minha mão.
- Vamos Esther você é muito nova pra ser tão careta.
- E você é muito bonito pra ser retardado.
Ele se virou e pôs a mão na boca em um gesto de surpreso,mas com jeito de gay,que ele sempre fazia.
- Noss... que calúnia. Menina má. vamos o seu mal é fome.
Eu penso que os dias seriam mais difíceis sem ele por perto,mas não digo isso a ele,não quero iludi-lo com falsas esperanças de algo que eu nem sei se existe.
Fomos há uma lanchonete e ele me pagou um milkshake e eu bebi enquanto ouvia as suas histórias.
- Sabe Esther,um dia eu vou ser alguém importante,alguém respeitado,sinto isso.
- Tipo,o presidente do grêmio da escola?
A gente riu muito e depois ele ficou sério e olhou pra mim como se fosse falar algo que não tinha graça. olhos concentrados nos meus.
- Tipo um jornalista,ou escritor. não sei. Quem sabe eu escreva um livro sobre você.
- Sobre mim? não tem nada pra falar de mim além deu ajudar minha mãe a fazer panquecas.
Rimos de novo. E ele ficou sério novamente.
- Acha que existe amor sem demonstração?
Eu a olhei e sabia que ele queria fazer aquela pergunta já faz tempo. mas eu não esperava,eu não sabia o que dizer.
- ah...como assim?
- Acha que dá pra amar alguém sem demonstrar?
- Eu não sei só sou uma garota que faz panquecas com a mãe.
Dessa vez ele não riu. Apenas olhou pra baixo com ar de desapontamento. Depois de um tempo me olhou de novo.
- Já viu os noticiários?
- não ultimamente. por que? o que houve?
- Parece que um casal matou os filhos e depois se mataram ontem. algo assustador,tá passando em todo canto.
- não vi. nossa. meu deus que estranho né?
- Sim. só fiquei com medo por você.
Dessa vez eu fiquei com vergonha. E ele sabia como eu era,mas disfarçava pra me deixar bem.
- não precisa. eu sei me cuidar. você sabe né?
- sei.
E depois deu um sorriso ligeiro e tirou a carteira e pôs o dinheiro na mesa.
- Vamos. tenho que deixa-la em casa moça.
- Vamos.
Cheguei em casa quase às 18:00,quando entrei minha mãe veio logo me dando bronca.
- Estava aonde moçinha? com Josh?
- Sim mãe. estava com ele por aí.
- Por quê não trás esse garoto aqui Esther pra gente conhecer?
- Não sei mãe. Acho que ele é tímido.
Mas não era isso,minha mãe vivia enchendo o saco pra eu namorar,e eu sempre dizia que os garotos não estavam nem aí pra mim mas era mentira. Eles viviam dando em cima mas eu,eu não tenho tempo pra isso,era o que eu dizia a mim mesma.
- mãe cadê Jeff?
Jefferson era meu irmão caçula de 7 anos. a quem as vezes eu achava que me entendia mais do que meus pais.
- Está meia hora na porta do banheiro,disse que só vai tomar banho quando você for vê-lo.
- pobre Jeff. vou lá me desculpar.
E lá estava ele na porta. com as mãos crusadas sentado a minha espera.
- Maaaana!!!
E veio correndo me abraçar.
- onde você tava mana?tava namorando? mamãe disse que tava,você não gosta mais de mim? só do seu namorado? mana.
- Não. você tá louco?não troco você por garoto nenhum,e sabe porquê? sabe? sabe? porque você é meu maninho e eu lhe amo.
- também te amo mana. vamos tomar banho?
- vamos porquinho. lavar as orelhinhas vamos.
Depois do banho a gente jantou ,era bife. Jeff adora bife. eu olhava pra meu pai ,mas como sempre ele parecia longe,no piloto automático.
- Pai?
Ele me olhou e saiu do piloto.
- Oi princesa. o que foi?
- Nada. o Senhor paresse cansado.
- Sim. dia cheio hoje. Entrou um novo chefe linha dura. vamos sofrer um bocado.
- ah sim. Mas o senhor consegue.
Ele assentiu com a cabeça. E depois virou para meu irmão.
- E você Jefferson o que fez hoje?
Ele relutou em deixar o bife e falar com papai. mas depois viu que não dava pra fazer as duas coisas.
- Eu... eu matei um rato.
Disse isso é depois deu um risinho. Minha mãe parou de comer e olhou para ele.
- Nossa garoto,a gente tá jantando não se fala essas coisas.
Meu pai interveio e deu uma risada.
- Calma. deixa o garoto.
E passou a mão na cabeça dele embaraçando os cabelos castanhos.
Depois disso minha mãe passou o resto do jantar falando nas maléficas coisas da vida,como matar animais indefesos,dava pra trabalhar na ONU.
Eu fui lavar a louça e mandei Jeff ir por quarto que iria lhe contar a história de Mobydick a baleia. Adorava ler pra ele,era um dos meus passatempos prediletos.
A gente ficava com uma lanterna acesa iluminando apenas onde estávamos no seu quarto,as vezes olhava ele,não parecia com medo,apenas compenetrado em descobrir o fim da história. Eu lia a história de forma que ele podesse compreender o máximo possível. via o seu rostinho lindo,e rindo quando de vez enquanto eu parava e fazia careta. A gente coberto com o lençol no escuro à luz de lanterna. Isso começou porque eu disse a ele que homens deviam não ter medo do escuro,já que papai não tinha tempo pra ensinar essas coisas ao filho. Lembro que dá primeira vez ele ficou dizendo "mana,já pode ascender a luz?" E eu falava que aguentasse mais,não queria que ele fosse fraco.
- Já estavam no convés e todos estavam apreensivos por conta do mar que parecia calmo,mas jamais silencioso.
- irmã irmã eles vão conseguir a moby?
- Calma Jeff ,calma. não sei vamos ver a história.
- Então veio um estrondo na lateral do navio,os tripulantes já sabiam.o capitão sabia que estava chegando a hora de enfrentar aquele demônio marinho. mais outro estrondo na lateral,se ela continuasse assim iria destruir o navio. o arpão já estava armado. o capitão sentia seu corpo entrando em estado de adrenalina e decidiu fazer com que Mobydick entrasse na...
De repente um estrondo ecoou na sala. Eu deixei a lanterna cair fazendo ficar tudo escuro. depois peguei a de volta. apontei para Jeff e falei; - calma,vai ficar tudo bem. olhe pra mim,eu vou até a sala ver o que foi tá. fique aqui.
- não mana,não me deixe só. não me deixe.
- calma,papai vai dá um jeito tá. não fica assim.
Eu me levantei e foi até a sala,parecia calma depois do barulho do tiro. eu fui tateando as paredes como se estivesse cega.
- Pai? Mãe? Onde vocês estão? pai? Mãe?
Desci as escadas e fui até a sala de reuniões. mas não conseguia entender o que havera acontecido. Meu pai estava com a roupa de trabalho,com a gravata tirada e com a arma na mão,quando soube que eu estava olhando virou a cara pra mim e sorriu. Depois apontou apontou a arma para minha mãe na cadeira,que parecia relutar para respirar com a mão no peito.
"puuuuh!!!!" Ecoou novamente o barulho,dessa vez o tiro acertou a cabeça,deixando a marca da bala,um buraco que cabia um dedo,e o sangue brotou. Eu estava em outro canto fora de mim onde um pesadelo me atormentava ,não podia ser real,meu deus não podia ser real. Depois de algum tempo eu olhei para meu pai e finalmente dei um grito.
- Socooooorro!! e sai correndo as escadas atrás do meu irmão.
-Jeff !! Jefferson. ele não tava na cama.meu deus ele não tava. Jeff cadê você? então olhei para um porta com escotilhas e abri ,a fechadura não abriu.
- Jeff !!!Jeff !!
Olhei em baixo da cama,enquanto escutava passos vindo do corredor. então a maçaneta girou e a porta com escotilhas abriu.
- mana,eu tô com medo. mana.
Eu corri e peguei ele. o abracei.
- Eu sei,eu também tô. mas temos que sair daqui. me segue e não olha pra trás tá.
- Onde está mamãe e papai mana? onde está?
- Não sei maninho. não sei. venha vamos sair.
Então abri a janela que dava pra rua. botei ele com cuidado para fora,eu não me importava muito comigo. só queria que ele estivesse bem. Eu passei pela janela. não havia nada lá fora a não ser solidão e frio. Então caminhei até a janela da senhora Clark,fiquei olhando para dentro mais só havia escuro. então bati. com Jeff sempre do meu lado,
Meu pai sai pelo janela de onde eu vim com a arma na mão. Eu o encaro. Ele olha e sorrir novamente,como se fosse divertido. Então apontou a arma para nossa direção. Eu gritei.
- Não!!!! Senhora Clark !! senhora Clark!!! meu deus me ajude,meu deus,por quê ?
Então escutei o terceiro tiro. Minha intenção foi abraçar meu irmão e morrer ali,porque não havia escapatória,era se jogar lá de cima ou entrar por aquela maldita janela do lado,no qual ninguém respondia. O tiro não me acertou. eu não sentia dor. Mas queria sentir,porque a dor pior foi ver meu irmão frio olhando pra mim,balbuciando.
- Mana,papa pa pai... deu tiro o.. em mim.
O meu grito foi mais forte depois disso.
- Nãoooooo!!!! Jeff não.
A janela atrás de mim se abriu. eu de imediato peguei Jeff e empurrei para dentro. E me pus em seguida,algo tão rápido que não consegui ver o outro tiro acertar a parede perto de mim. Fechei a janela. A senhorita Clark estava esfregando os olhos.
- O que foi minha jovem?
- Liga pra Polícia!!! pede uma ambulância.
- Polícia? por quê ?mas não..
Ela parou e entendeu quando viu o sangue escorrendo em meu irmão.
- Meu Jesus Amado.
E correu para o telefone. Eu fiquei vidrada na janela esperando meu pai aparecer e apontar.aquela arma de novo, mas não veio nada,apenas o barulho do quinto tiro. Depois o barulho de algo se chocando contra as telhas. Acho que ele deve ter atirado em si mesmo. Meu deus isso só podia ser um pesadelo e já já eu acordo. Jeff parecia dormir agora. mas seu corpo já cheirava a morte.

Esther Where stories live. Discover now