Cap. 2 - Golfinhos e Tubarões

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- Não! – gritei. Dessa vez, não foi em pensamento. Eu ouvi minha voz. Não compreendi o que ocorria até abrir os olhos.

- Acalme-se – pediu Vitor, com a voz grossa e potente que tinha o poder de me tranqüilizar. Suas mãos seguravam meus pulsos como algemas. Eu não oferecia resistência. Procurei Lisa e a vi no chão. Não como se estivesse sentada, mas como se tivesse sido derrubada.

- Está tudo bem – ela sorriu, olhando para Vitor, indicando que estava mesmo tudo bem. Ele me segurou por alguns segundos e, então, soltou meus braços, ainda relutante.

- O que houve? - Vitor perguntou, confuso.

- Isso nunca aconteceu antes... - Lisa comentou, surpresa.

- O quê? - perguntei sem entender.

- Você assumiu o controle da minha visão - disse, encantada com sua própria constatação.

- Incomum - ponderou Vitor. - Muito incomum.

- Do que vocês estão falando?! – indaguei, cada vez mais atordoada. - O que acabou de acontecer aqui, quem são essas pessoas e que lugar é esse? O que é tudo isso?

- Isso – disse Lisa, levantando-se. – É o nosso mundo. O mundo a que você pertence – explicou, enfatizando a última palavra.

Precisei de alguns minutos para respirar. Não era como se eles tivessem me dito que eu iria para um orfanato ou que seria observada em um laboratório por alguns meses. Isso eu podia esperar. Seria péssimo e eu possivelmente lhes daria alguma desculpa para ir ao meu quarto e fugiria pela janela. Mas não. O que eles me mostravam era uma realidade completamente diferente e paralela.

O que eles queriam de mim? Que eu os seguisse para aquele lugar repleto de pessoas como eu, que faziam coisas anormais como as que eu fiz e vivesse lá feliz para sempre? Não. Isso não seria possível. Eu só queria que me dessem alguma explicação básica sobre o que havia acontecido, que me ensinassem a controlar o que eu fazia e que me deixassem em paz. No entanto, era evidente que aqueles quatro olhos extasiados em minha direção tinham outros planos.

Considerei o que fazer e como explicar que eu não queria fazer parte desse outro mundo. Estava ciente de que eles poderiam me levar dali a força, embora não acreditasse que fossem fazer isso. Afinal, eles tinham levado tempo para mostrar tudo o que eu tinha visto.

Por outro lado, Ana e Greg não me queriam ali e eu não tinha para onde ir. Além disso, eu queria e precisava descobrir como Lisa e Vitor conheciam meus verdadeiros pais e o que sabiam sobre eles, entender o que estava acontecendo comigo e aprender a me controlar para não machucar mais ninguém. E, por mais que essas fossem as razões que eu enumerava, havia uma outra que eu resistia em admitir para mim mesma.

Era aquele garoto pálido de cabelos negros como carvão, cujo rosto tinha traços perfeitos e belos olhos azuis que mudavam de cor. Eu desejava revê-lo, tocar sua pele e conversar com ele. Eu queria rever aqueles olhos tão tristes e descobrir a razão daquela tristeza. E eu queria isso mesmo que tivesse de rever aqueles caninos longos e afiados e os olhos negros de fúria que apareceram repentinamente.

- Tudo bem. Quando partimos? – perguntei, forçando naturalidade à minha voz.

Eles me fitaram, satisfeitos. Eu estava disposta a ir a esse outro mundo, mas

temporariamente.

- Não se preocupe. Você vai ser muito feliz! – exclamou Lisa, sorridente, esticando as mãos para acariciar meus braços.

Golfinhos e Tubarões - O outro mundo (Tais Cortez)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora