CAPÍTULO 3.1 - O DIA QUE TE BEIJEI.

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          Troquei a minha roupa e dei uma arrumada no cabelo. Não podia visitar um ateliê parecendo uma favelada. No mínimo não deixariam nem que eu entrasse no estabelecimento. Já previa o olhar das madames medindo a minha postura dos pés à cabeça perguntando de que buraco eu teria saído. Não tinha o corpão e nem as curvas de uma turista europeia que visitava as nossas praias bancada pelos seus maridos quase sempre gordos e ricos fumando charuto cubano, sustentando aquelas loiras siliconadas que passavam a semana toda praticando exercícios físicos, yoga e levando a cadela de estimação para o pet shop. Tão pouco tinha elegância sobre um salto alto, principalmente por não ter o hábito de andar sobre aqueles dois palitos pontiagudos feito de aço. Eu era uma esquisita numa época que os padrões de beleza estavam em um intenso culto ao corpo. Tinha muito que fazer para chegar a ser uma "gostosa", mas eu sabia que não estava dentre as piores, sempre há alguém pior que a gente. Alguém mais magro, mais gordo, mais feio e até os que são mais bonitos. O problema é que minha realidade era muito simples, não tinha muito o que fazer, eu tinha que me desfazer e me virar, tinha apenas algumas horas para me tornar uma outra mulher até aquele jantar.

Ao passar pela sala encontrei as duas sentadas no sofá assistindo a algum programa banal da televisão com reportagens sensacionalistas cheia de interferência. Quando estava prestes a fechar a porta escutei minha mãe gritar:

- Preto!

- O quê? – perguntei com a porta entreaberta.

- Na dúvida do melhor vestido compre um preto, ele sempre vai bem com tudo.

Assenti com a cabeça e bati a porta. Fiquei alguns segundos ali parada, do lado de fora, só para escutar o que as duas falavam.

- Agora a senhora vai apoiar as loucuras dela? Virou modista? – perguntava minha irmã

- Horas, se é para gastar o dinheiro que compre uma coisa elegante, apenas isso. E outra, quando eu morrer ela já tem algo digno para vestir e prestar luto. Ah, não quero você em meu enterro com esses trapos hein!

- A senhora além de modista virou rica agora? Que parte do seu passado você foi tão elegante assim hein?

- Essa parte se o Alzheimer não afetou a memória eu finjo que afetou e esqueço.

Eu tive que rir baixinho das coisas que a Dona Elma falava, com as mãos segurando a boca para que não saísse uma gargalhada. Minha mãe era uma figura com todos seus "apagões" na memória principalmente no presente. Era frequente nossos desentendimentos, mas eu preferia valorizar quando nós três nos entendíamos, quando éramos três mulheres unidas enfrentando o mundo e todos os nossos medos. Todo dia fazendo lembra-la de quem éramos, de quem ela era, e esse passado tão bem escondido que agora ela fingia esquecer.

Caminhei pelas vielas com o cabelo solto ao vento e um sorriso expressivo no rosto em direção ao centro da ilha. Não tinha como conter a felicidade, era inevitável não esbanjar meu sorriso de ponta a ponta no rosto que obrigava qualquer um que cruzasse no meu caminho que ao menos esboçasse o mesmo gesto, ainda que sútil, de canto de boca. Estava contagiando as pessoas com o meu momento mais sublime, mais tocante. Aquelas borboletas voltaram a povoar minha barriga. Sentia como se houvessem pequenas asas se debatendo dentro de mim, causando arrepios e pensamentos que me levavam para tão longe. Criei uma fuga da minha realidade, abandonei o peso do que eu era em troca de um sonho de tudo o que eu poderia vir a ser ao lado dele.

Minha felicidade tinha nome e com certeza um sobrenome que ainda eu não sabia mas estava prestes a descobrir. Deveria ter um endereço fixo para eu poder visitar em minhas noites de solidão. Minha felicidade tinha traços físicos e a pele mais linda que eu já havia visto em minha vida, um sútil bronzeado do sol prestes a se esconder no horizonte, em uma penumbra. Algo como um chocolate mesclado, meio doce, meio amargo e no final tão intenso. Um corpo robusto, musculoso que poderia me proteger de todos os meus medos e de todo mal que houvesse no mundo. Um aventureiro dos sete mares, um homem que estava roubando a minha vida e dando um novo sentido para ela, sem certezas, sem caminhos certos, mas eu sabia que era ao lado dele que eu queria estar daqui para frente, escrevendo uma nova história.

Eu Nunca Disse AdeusOnde as histórias ganham vida. Descobre agora