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Quando você partiu eu tive que fechar os olhos e acreditar que tudo não passava de um pesadelo ridículo. Tantas vezes saiu de casa antes mesmo que o sol nascesse, me deixava ao relento, embrulhada nas entranhas de um lençol e tantas vezes voltou depois que o dia acabava, quando a noite dominava o céu e ninguém poderia nos descobrir...era para ser mais um dia assim. Foi difícil conter as lágrimas, foi difícil conter a emoção que expurgava pela minha expressão de agonia, sentada na beira do cais, olhando o vai e vem dos barcos velejantes soprando para um destino incerto. Para onde vão os marinheiros e os seus corações despedaçados? Para onde você foi enquanto eu fiquei aqui...o tempo todo te esperando?

Em pensar que você já permaneceu ao meu lado, olhando as mesmas profundezas desse oceano, e que segurava em minhas mãos para que pudesse me sentir mais segura, em pensar que eu ouvia a sua voz cantarolando em meus ouvidos, e sentia o gosto doce dos seus beijos enquanto o vento soprava em nosso rosto no meio do oceano. Para onde foram os seus beijos? Para onde foi o homem que amei?

Foi ontem, talvez tenha passado mais que um dia, um mês, um ano inteiro, eu perdi as contas de quantas tardes eu fiquei aqui parada, vendo aquelas senhoras indo ao encontro de seus senhores transbordando uma saudade tão intensa que se resumia em um abraço apertado, em beijos...em olhares e gracejos.

Já revirei o nosso quarto, dormi abraçada com a tua roupa entorpecida pelo seu cheiro. Lembrei do teu sorriso quando acordava ao meu lado, das outras noites que prometeu ficar comigo e nunca mais ficou. Lembrei do colo que me oferecia para dormir, dos dedos que se entrelaçavam em meu cabelo e as promessas de que um dia seria pra sempre, seria para ficar eternamente. Lembrei das inúmeras vezes que você enlouquecia por machucar o meu coração com as suas verdades, em querer ser alguém tão perfeito no meio de tanta imperfeição. E com o tempo eu assumia o risco, virava um escudo humano se fosse necessário, protegia o nosso amor, que era meu, era tão pouco seu, e no fim...era nosso. Tirava o peso das suas costas, roubava a tua culpa e a carregava para nosso leito de amor...e tudo lá era esquecido, tudo era perdoado. Revirei o meu corpo, as minhas entranhas, só para ter certeza que você não se ocultava dentro de mim...mas era tão vazio lá dentro, era tão escuro e perturbador feito o mar que agora admiro e me enxergo bem lá no fundo, dominada por um silêncio abissal.

Eu nunca fui boa em assumir um papel na vida de ninguém, sempre fui uma das outras, aquela que estava esquecida na maioria dos dias em algum canto escuro do quarto esperando pela volta daquele que sonhei mas não sabia como fazer ficar.

Eu era a criatura perfeita, cheia de atributos que saíam da sua própria boca, mas no final eu não era sua, não era minha...era estranhamente de ninguém.

Isso porquê existe uma linha entre o que eu desejo e o que eu vivo de verdade. Não sei como posso chamar essa linha tênue, mas deve ser o meu limite, o limite que pode aguentar o coração de uma garota que respira liberdade e almeja uma história profana sobre sentimentos desconhecidos, e por assim ser talvez o chame de amor.

Em partes eu me culpo por não ser o seu norte, a bússola encantada que desvendaria todos os mistérios e medos do seu mundo. Aquela que te conduziria para a ilha do tesouro escondido a tanto tempo, congelado por tantas lágrimas que vieram a escorrer pelo meu rosto, trancando o que mais de valioso havia em mim. Eu seria a vela hasteada no mastro, o leme virando na direção que seu destino condenasse. Seria a onda quebrando sobre o seu castelo de areia. Seria sua, apenas sua, se assim quisesse. Seria capaz de tudo em seu mundo imperfeito. Em outra parte eu culpo algo mais grandioso que sempre me levou assim, por caminhos errados, consertando pessoas, reparando passados, destruindo o meu presente e deixando em pedaços o futuro incerto. Mesmo assim eu ainda acredito no tempo, nas coisas que são curadas por ele e destruídas sem nenhuma razão plausível.

Vamos...me dê um sinal, me escreva, apareça no horizonte do oceano com teu sorriso inebriante conduzindo o teu barco à vela. Fale que nunca se esqueceu de nós dois, que está louco para me ver de madrugada ou nas manhãs frias dos finais de semana em que todos dormiam e eu ficava na ansiedade de te esperar ainda bocejando de sono, mas louca para sentir o seu corpo. Diga se já encontrou o teu porto seguro, se é mais forte do que o nosso sentimento, do que o nosso estranho amor. Diga se já conseguiu abandonar a tua família, os teus planos de uma vida monótona com aquela mulher...me faça acreditar que eu ainda devo te esperar, que tudo vai valer a pena. Diga que não esqueceu das coisas que me dizia, das promessas que me fez em tantas noites frias. Mande um recado através de um pescador, de um amigo marinheiro, seja lá quem for. Envie uma mensagem por uma garrafa e jogue ao mar, esteja onde estiver, seja como for...apenas me faça acreditar, que ainda não esqueceu, que ainda não terminou. Eu não me importo com o que aconteceu, estou disposta a perdoar tudo, a começar de novo se for preciso. Não faça com que eu desista agora, logo agora que eu passei a acreditar que poderia ser diferente, que poderia ser feliz novamente. Vamos, me faça crer que cada minuto valeu a pena, que ainda sente saudades dos meus beijos, dos sonhos que construímos juntos mas não conseguimos tempo para edificá-lo. Venha ao meu encontro, conte suas histórias que viveu em alto mar, me acolha em teus braços e me arranque um sorriso. Estou me afogando em um mar de agonia e desespero. Se eu estender minha mão agora, quem irá agarrar? É tudo calmo e silencioso aqui dentro, é tão calmo que me acelera o coração, pulsando descontroladamente em minhas veias. Tenho medo dessa ausência, tenho medo desse silêncio. É a ausência de respostas que me tortura, o silêncio do fundo do oceano em que eu me afogo, um oceano de verdades, um oceano de maldades. Era pra ser um sonho...perfeito, e tudo foi virando um pesadelo. Vamos, venha me ver. Arrume um minuto do seu dia, do seu tempo, da sua história. Tudo pode ser diferente agora. Amanhã bem cedo se não voltar eu vou ter que partir...eu vou te procurar, esteja onde estiver, sozinho ou acompanhado de uma outra mulher, não deixarei partir agora, não agora... porque eu nunca disse adeus...

(trecho de uma carta que nunca foi enviada)

Eu Nunca Disse AdeusWhere stories live. Discover now