[03] - Filmes Pós-Apocalípticos

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Eu precisava me comunicar, era tudo o que eu mais precisava e, ainda assim, era um desejo um tanto irônico.  Eu tinha a internet, estava ali, funcionando como sempre, debochando de mim com seu sinal perfeito.

Você não pode encontrar alguém que não conhece. Escutava em minha mente como se Hayden estivesse lá dentro opinando.

– Você tem razão. Eu não sei quem eu quero encontrar.

Caminhei de volta para o carro alguns quarteirões de distância. Joguei minha mochila no banco de trás e me acomodei no banco do motorista. Não me atrevi a ligar o carro, revirei em meus pensamentos relembrando todos os filmes de fim de mundo que assisti na vida (Talvez, em algum deles, haveria um personagem numa situação parecida com a minha).

Tirei o celular do bolso e busquei na internet: "filmes sobrevivente fim do mundo". Com toda a velocidade possível o Sr. Google me ofereceu diversas respostas. As primeiras páginas consistiam em "Lista de 21 filmes sobre o fim do mundo" ou "Os 10 melhores filmes sobre o fim do mundo".

Anotei os nomes nas notas e dirigi até a Starbucks mais próxima. Se tudo ainda estivesse normal, conseguiria uma boa Wi-Fi e talvez algo próximo de um café.

Sem nenhum carro nas ruas e nenhum trânsito dirigir estava se tornando um momento relaxante. A música preenchia o vazio e, de uma forma estranha, não me sentia completamente desolada. Não tive tempo de aproveitar a viagem, em sete quarteirões de distância encontrei uma das lojas de café.

Deixei o carro com a porta aberta no meio da rua estreita. Era estranho pensar que se voltássemos um pouco no tempo, isso teria sido inaceitável. No fundo, queria acreditar que alguém viria reclamar comigo e me mandar mover o carro. Meu maior sonho naquele instante era receber uma multa de trânsito. Eu parecia uma grávida: cheia de desejos estranhos.

Entrei pela porta de vidro sentindo o calor do aquecedor. A razão para que tudo ainda estivesse funcionando ainda me deixava inquieta. Se tudo estivesse desligado, eu quase conseguiria aceitar esse mundo apocalíptico, mas nada nesse mundo realmente fazia sentido, não podia esperar uma lógica nele.

Sentei de frente para a janela olhando o lado de fora (talvez meu novo melhor amigo passaria na minha frente fazendo sua corrida diária). Tirei o computador da mochila e o coloquei sobre a bancada. O banco alto deixava meus pés soltos no ar e eu os balançava de um lado para o outro tentando usar o movimento para manter minha mente inquieta ocupada.

Passei três dias dentro daquela Starbucks vendo filmes sobre o fim do mundo. Minha incapacidade de preparar um café naquelas máquinas foi suprida pela minha habilidade de tomar leite frio, comer biscoitos e beber suco. Eu não fazia nada além de comer e assistir filmes um atrás do outro (nunca pensei que um dia fosse odiar essas coisas).

Não sei ao certo o quão válido foram essas horas em frente ao computador assistindo formas de viver no fim do mundo. Minha situação era um pouco diferente da de meus companheiros fictícios. Primeiramente, eles eram fictícios. Segundo, eles sempre pareciam ter um companheiro, e devo dizer que o uma bola chamada Wilson já me parecia bom o suficiente. Por último, mesmo quando o mundo permanecera quase intacto, eles passavam a maior parte do tempo precisando sobreviver.

Você não precisa sobreviver, você só precisa viver. Escutei mais uma vez a voz profunda de Hayden em meus pensamentos. Às vezes, quando isso acontecia, me perguntava se era um pensamento realmente meu.

Me joguei no chão como uma criança fazendo birra. Gritei enfurecida sem ninguém para assistir o meu show (no final, minha mãe não me daria um chocolate e eu não ganharia um brinquedo novo). Minha birra era inútil e sem sentido, ainda assim gritei até ficar rouca e minha garganta doer demais para continuar. Sentia minha sanidade escapar a cada lágrima que escorria pelo meu rosto e molhava meus cabelos.

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