[01] - Letras Douradas

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Parte 1

Eu tive muita dificuldade em entender o porquê. Teorias se acumulavam sem me levar à conclusão alguma. 

Talvez todos tivessem se mudado para Marte e não quiseram me levar. Talvez fosse uma brincadeira cruel de pique-esconde. Talvez a pegadinha mais elaborada de todos os tempos, ou talvez aliens abduziram todo mundo esquecendo só de mim.

Nada fazia sentido, num dia as ruas estavam cheias de pessoas se esbarrando, no outro eu abri os olhos e não havia sobrado ninguém. Literalmente, ninguém.

[---]

Acordei com o sol de meio dia atravessando a fresta entre as cortinas. A tela não terminada misturava tons de bege e marrom tentando materializar o rosto com o qual eu sonhava constantemente.

O frio fez com que eu me encolhesse, não queria acordar e pensar em limpar a sujeira do dia anterior, muito menos em terminar a tela que significaria 60% da minha nota final.

Deslizei para fora da cama usando meu cobertor como uma capa e desci as escadas vagarosamente. A casa estava vazia, minha colega de quarto saia cedo e voltava tarde, o silêncio se encaixava bem ao ambiente.

Olhei para o relógio sobre a geladeira, já passava das duas e, por alguns instantes, olhei ao meu redor pensando o que deveria fazer naquela tarde de sábado. Pela porta de vidro dos fundos, observei o jardim coberto de folhas. O cenário me prendeu por um instante, as folhas douradas de outono cobrindo a grama... Minha colega de casa não nos permitia uma visão dessa, ela não sabia apreciar a beleza na desorganização. Já conseguia escutar a discussão que ela teria com o jardineiro por deixar que folhas tocassem o gramado.

Superei o devaneio rapidamente e abri o computador sobre a bancada da cozinha. Chequei e-mail e mensagens, sem nada de novo, passei a procrastinas no celular. Fechei os aplicativos e abri mais uma vez, não era possível que nada tivesse acontecido desde que fui dormir.

Andei até o roteador na sala certa de que havia algo de errado com a internet, mas as luzes estavam ali, piscando como sempre. Atualizei a página outra vez, fechei e abri aplicativos, conclui que o problema era meu celular.

Subi as escadas rapidamente e troquei de roupa. Eu precisava de cafeína e algo coberto por chocolate. Peguei minha jaqueta e chaves sobre a mesa da cozinha e saí de casa.

Abri a porta sentindo um baque contra meu peito, (baque metafórico), mas um baque que me parou e fez meu estomago revirar. A visão da rua vazia me causou um estranho aperto no peito. Tirei o celular do bolso e chequei a hora. 2h37 pm. Não era possível que não houvesse uma alma viva na rua, era bizarro, da forma mais assustadora possível.

Passo a passo, comecei a sentir o pânico nascer dentro de mim. Nenhum som, ninguém andando pelas ruas. Os carros estavam estacionados como se todos estivessem em casa reunidos num toque de recolher do qual não fui avisada. Andei até a casa ao lado, minha vizinha, Sra. Løgstrup, costumava estar mais informada do mundo do que eu.  Toquei a campainha, uma, duas, dez, trinta vezes, antes de tocar mais três (só para ter certeza).

Tentei a casa da frente, (como sempre morei naquela rua, conhecia algumas pessoas por ali), ao menos uma pessoa atenderia a porta. Toquei a campainha do Sr. Jorn, ele não era do tipo que saia muito de casa. Toquei uma, duas três, bati na porta chamando por ele.

Nada.

Fui para outra porta e nesse passo tudo escalou de forma bem rápida. Numa questão de minutos, eu estava correndo e batendo em portas de casas aleatórias. Parei quando estava quatro quarteirões de distância. Decidi voltar, reagrupar (minha mente). Fui até em casa e busquei pela chave da casa da Sra. Løgstrup, desde pequena eu regava suas plantas quando ela ia visitar os netos no Sul.

Abri a porta hesitando, havia um estranho sentimento dentro de mim.

– Sra. Løgstrup? – chamei sonhando escutar a voz dela para que tudo ficasse bem.

Olhei para a casa em perfeito estado. Livros arrumados, pratos lavados, cama bem feita. Nunca tinha visto aquele lugar assim. Sai da casa desejando nunca ter entrado. Quem arrumaria tudo antes de desaparecer? Ou porque iriam embora sem levar nada, sem avisar, sem um mísero pedido de "Por favor, regue minhas plantas"?

Parei no meio da rua e dei um grito. Minha voz ecoou distante. Eu não sabia se esperava que alguém respondesse, ou se só queria extravasar minha frustração.

Andei até outra casa, dessa vez sem uma chave. Pulei o muro lateral e dei a volta até a porta dos fundos. Quebrei a pequena janela de vidro sentindo-me uma criminosa. Destranquei a porta passando a mão para dentro. O lugar estava tão arrumado quanto o da Sra. Løgstrup.

Não sei em quantas portar bati naquele dia, quantas casas bem arrumadas encontrei. Sentia-me dentro de uma brincadeira sádica para testas minha sanidade. Alguma espécie de Jogos Mortais com menos sangue e morte.

O sol se pôs e eu ainda perambulava por ruas que nunca antes havia ido e entrava em casas que não tinha ideia a quem pertencia.

– Ninguém... – murmurava para mim mesa caminhando pela calçada.

A loucura começava a tomar conta de mim, minhas primeiras teorias começaram a surgir.

Sentei no meio da rua olhando para a coisa mais distante que conseguia enxergar, ainda guardava uma mísera esperança de que uma pessoa fosse surgir acenando, ou que eu veria algo se movendo na linha do horizonte.

Não havia muito a se dizer, ou pensar. Eu não podia dizer que era um apocalipse ou que pessoas morreram por causa de um vírus. Que tipo de vírus arruma camas e desaparece com os corpos.

Todos só haviam sumido, me deixado para trás.

Achei que tudo poderia ser só um sonho, tudo era surreal de mais. Dei um tapa em meu rosto, logo acordaria segura em minha cama com o som de Lucy brigando com o jardineiro. Nada. Bati mais uma vez mais forte numa segunda tentativa... Nada.

...não era um sonho, eu sabia que não era.

A temperatura tinha caído e minhas unhas começavam a ficar roxas, meus lábios deviam estar em pior situação. Coloquei as mãos nos bolsos da jaqueta para pegar as luvas. Puxei-as para fora fazendo com que um pedaço de papel preso a uma delas caísse na minha frente. Peguei o estranho cartão de visitas preto com grandes letras douradas que não sabia de onde tinha vindo.

      Li: "As respostas podem estar perdidas no silêncio -Å".

ForgottenOnde as histórias ganham vida. Descobre agora