— João Palhares. Sou o legista — ponderou rapidamente. — O delegado Messias telefonou me avisando, mas não disse quem viria. Quanto tempo está na área policial, detetive?

— Tempo mais que suficiente. Não se preocupado, doutor, o delegado costuma mandar os melhores — Tony conseguiu forçar um sorriso. — Mas confesso que ele superestima nossas habilidades... Quando entrei na sala, percebi pela sua expressão facial que o senhor, de certa forma, ficou estagnado com a minha presença. Talvez o senhor estivesse esperando um típico Sherlock Holmes?

O legista meneou um sorriso rápido e, depois, ficou sério.

— Estou brincando, doutor — disse, tirando os óculos e guardando-os no bolso do sobretudo. — Minhas olheiras só aumentam, sabia? Enfim... Quem se importa, não é? Será que podemos começar?

— Oh, sim. Em um minuto.

O detetive aproximou-se do corpo pálido e despido da criança sobre a mesa metálica. O garoto estava desaparecido há doze dias... Em algumas partes do corpo havia pequenas manchas secas de lodo esverdeado... Graças a uma denúncia anônima, a polícia encontrou o corpo dele e de duas meninas dentro de um córrego de esgoto.

Tony vestiu as luvas de látex, que foram dadas pelo legista, e aguardou o mesmo se preparar. Naquele momento, ele pensou no caso do desaparecimento das crianças de Sarutobê por um ângulo diferente. Não como um detetive, mas sim como uma pessoa alheia ao caso. Pegou a prancheta com a ficha do garoto. Aquele garoto tinha 11 anos. Sem dúvida, tinha vários amigos virtuais, tomava refrigerante como se fosse água mineral, jogava videogame e passava horas na frente do computador — na maioria dos casos, era assim a vida de um garoto daquela idade.

Atualmente com a facilidade de comunicação por meios tecnológicos, crianças e adolescentes tornaram-se alvos fáceis para pedófilos, maníacos ou sujeitos piores que os deslumbram com propostas de ganhar dinheiro fácil, viver sem precisar ser dependente, simplesmente para levá-los ao ramo da prostituição ou tráfico de drogas e, diga-se de passagem, uma vez no ramo era quase impossível sair.

Além do seu trabalho de detetive, às vezes Tony era convidado a ministrar palestras sem fins lucrativos para colégios públicos sobre como os alunos poderiam se proteger dos perigos que os cercavam todos os dias diante de um computador, nas ruas, na conversa com estranhos, etc. Em suas palestras, Tony desejava que os alunos soubessem que o mal está por todos os lados, mas são eles que decidem se o deixam entrar em suas vidas ou não. Era uma visão simplória do problema, evidentemente. Afinal, olhe em volta, parece que o mal vive dentro de nós e o bem faz visitas esporádicas.

Todos os dias, no noticiário, notícias bombásticas sobre o envolvimento de crianças e adolescentes com drogas e outros meios ilícitos pipocavam na tela da TV do quarto de Tony. A pergunta que a linda âncora do jornal fazia era sempre a mesma: "E quem são os responsáveis por tudo isso? Ora, tem que haver um culpado, não é mesmo?" Alguns culpavam o Estado, outros a Escola ou até mesmo as más companhias, e uma maioria gostava de culpar a Família, que é o berço, o alicerce de cada ser humano perante uma sociedade. Em tese, cada indivíduo reflete no meio social o que aprendeu dentro do próprio seio familiar. Contudo, aconteciam as exceções: de dentro de famílias ruins saírem boas pessoas, pessoas que um dia se tornariam um exemplo de verdadeiro cidadão para a sociedade e quem sabe se tornar presidente do país ou outra coisa parecida. "Então, quem pode ser o culpado?" Quanto a isso, Tony pensava diferente e costumava guardar isso para si. Se existisse um culpado para todas as atrocidades do mundo, o culpado só poderia ser o próprio ser humano que vive cometendo práticas desumanas ou fazendo escolhas egoístas para depois culparem um deus ou o destino pelos seus feitos nada ingênuos. Aquele garoto, como tantos outros, era somente mais uma vítima das atrocidades do Homem. Era nisso que Tony acreditava.

Juventude Engarrafada - Livro 1Onde as histórias ganham vida. Descobre agora