Ane e eu pulamos a cerquinha colorida do orfanato e caminhamos até a porta dos fundos nas pontas dos pés. O sol já estava se pondo e não havia mais nenhum brinquedo ou criança espalhado pelo gramado. Isso significava que deviam estar todos jantando. E se atrasar para o jantar era quase tão imperdoável quanto tentar assassinar o presidente.
- Estamos ferradas. - sussurrei para Ane.
Ela assentiu com uma careta.
- A Bruxa vai nos pendurar no teto e nos usar como lustre por uma semana.
Paramos na soleira desgastada da porta dos fundos e Ane girou a maçaneta sem emitir nenhum som.
- Posso saber onde as duas vadiazinhas estavam?
- AAAAiii !!!
Pulamos de susto quando a bruxa meteu a cara pela porta.
Judith Rosemary era aquele tipo de velhinha que parecia ter se esquecido de morrer. Seu rosto era uma uva passa, com tantas rugas e pés de galinha que seriam necessários anos para contá-los. Ela sempre usava um longo vestido preto, como se estivesse de luto e era capaz de sentir cheiro de travessuras a quilômetros de distância. Sinistrinha, não? Agora imagine essa lindeza parada na soleira de uma porta, segurando uma boneca velha e uma tigela de brócolis.
- Nós estávamos terminando aquele trabalho da semana retrasada. - Ane falou, rápida como um raio.
- É mesmo? - a Bruxa ergueu a sobrancelha - Acontece que o coleguinha de vocês passou aqui procurando as duas. E ele disse que não havia trabalho algum.
Ane me encarou com raiva. Maldita aula em que eu fiquei com peninha de Tresh Dummer e disse que ia ajudar ele em geometria.
- Ah, o Tresh é assim mesmo! - tentei disfarçar, uma gota de suor desceu pelas minhas costas. - Não sabe de nada.
A Bruxa segurou meu queixo com força e me forçou a encarar seus olhos negros como carvão.
- Eu te criei sua monstrinha, se pensa que consegue mentir para mim está muito enganada. Agora as duas vão... - de repente ela congelou, como se tivesse encarado a medusa.
- Entrem. - falou, a voz autoritária vacilando um pouco.
- O quê? - Ane perguntou.
" EU DISSE ENTREM! "
Ela agarrou a gola dos nossos casacos com uma força descomunal e nos jogou dentro do Vale do Unicórnio, batendo a porta atrás de si. Seu peito subia e descia aceleradamente e seu rosto estava pálido como um fantasma.
- Dormirão sem jantar hoje.
E saiu para beber um copo d'água na cozinha.
Ane e eu nos entreolhamos. Ela abriu um sorriso psicopata.
- Isso pareceu o que pareceu?
Retribui o sorriso.
- Acho que nosso sátiro deve estar vindo nos buscar.
***
- Estão todos dormindo? - a Bruxa perguntou, antes de fechar a porta.
Ela recebeu um coro de respirações ritmadas em resposta. Ouviu por alguns segundos e se deu por satisfeita. As meninas estavam dormindo.
Assim que a Bruxa fechou a porta todas sentaram em suas camas. Elas ouviram atentas os passos da velha senhora pela casa, arrumando as coisas e conferindo se os garotos estavam dormindo.
Assim que o silêncio reinou no Vale do Unicórnio, geral levantou.
YOU ARE READING
O Anti-Herói Perdido.
FanfictionAté onde você iria por uma coincidência? Quem nunca tentou se imaginar dentro dos livros de Percy Jackson? Todo bom "semideus" já olhou para aquele professor estranho e imaginou se ele não podia ser um mostro, se o tédio não podia ser TDAH, se um d...